Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
[email protected]

A trajetória de Marisa Letícia, por Rui Daher

Família Casa, Carolina e João

A trajetória de Marisa Letícia

por Rui Daher

em CartaCapital

A minha geração e as que vieram depois se acostumaram a enxergar a região do ABCD paulista como um grande parque industrial. E é. Nem tanto quando você inclui Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Ali se estará descendo para o litoral, à Baixada Santista, a encontrar hortaliças, bananas, chácaras de flores e plantas ornamentais, plantações de cogumelos, algum extrativismo.

A região foi colonizada pouco antes de São Paulo de Piratininga. Em 1550, os padres jesuítas estabeleceram Santo André da Borda do Campo. Três anos depois, João Ramalho casou-se com Bartira, filha de Tibiriçá, cacique dos índios Guaianases e fundou São Bernardo do Campo. Durou pouco. Em sete anos, a população foi transferida para São Paulo, restando uma grande sesmaria, doada aos monges beneditinos, que lá estabeleceram duas grandes fazendas, a São Caetano e a São Bernardo, assim permanecendo até 1717.

A proeminência voltou a São Bernardo do Campo com o movimento do porto para o planalto através da estrada geral de Santos. Voltou a decair quando, em 1867, a São Paulo Railway levou para o Bairro Estação, em Santo André, grande parte do tráfego vindo do porto, o que fez da última, em 1910, passar a sede do município, e São Bernardo só voltar a ser emancipada em 1944, por obra do prefeito Wallace Cochrane Simonsen, junto ao governador Adhemar de Barros.

Parece história muito antiga? Por que falo nisso? Durante quatro séculos o atual ABC foi serra, campo de plantios e meio de passagem do porto até a capital e o interior do estado de São Paulo. Havia fazendas, sítios, chácaras, produção agrícola e criação pecuária.

Voltemos algumas décadas. Em 1877, desembarcaram em Santos o casal Giuseppe Casa e Rosa Pierina Casa. Trazem os filhos Giovanni, Ernesto, Letícia e Hermínio Luigi. Provenientes de Bérgamo, norte da Itália, os italianos vieram para São Bernardo do Campo onde receberam uma grande colônia que ficava onde hoje estão os bairros dos Casa, Jardim Ypê, Jardim Cláudia, Jardim Lavínia, Parque Espacial e Vila Vitória.

Todos foram trabalhar na lavoura. Como imigrantes, tinham direito a ajuda para alimentação e material para construírem uma casa. D. Pedro 2º era imperador e outorgou a cessão das glebas com aquiescência dos índios nativos que ali habitavam.

A prole foi nascendo, crescendo, alguns morrendo, entre alegrias e tragédias.

Letícia Casa se casou com um francês da família Seychard, mudou-se para Bauru, e não teve filhos. Seu sobrinho, Antonio José Casa, colocou o nome da tia em uma de suas filhas, Marisa Letícia Casa.

Lombardos, os Casa vieram da comuna Palazzago, província de Bergamo, onde se dedicavam às atividades leiteiras, vinícolas e de extração de trufas. Praticavam pequena agricultura e criação. Nesse ambiente de transição foi que nasceu, em abril de 1950, a menina Marisa Letícia.

Até os cinco anos, ajudou o pai e os 10 irmãos no trabalho do sítio. Para os que não paravam em Santos a trabalhar na estiva dos portos, a regra era ver o mar virar sertão e nele semear.

Somente entre 1950 e 1960, lá se decide implantar o maior parque industrial automobilístico brasileiro. As zonas rurais ficam ainda mais reduzidas a poucos bairros na Serra do Mar, separadas pela Represa Billings. A agricultura e a pecuária passam a ser insignificantes na região, com poucas chácaras e sítios, produzindo hortaliças, flores, bananas, cogumelos e criações de cabras leiteiras para a fabricação de queijos.

O período entre a criação da indústria automobilística e o atual foi de célere urbanização, permitida pela arrecadação dos municípios e a ascensão social dos industriários. No entanto, ainda é comum ver famílias tradicionais da época da imigração mais recente, atraída pela fartura da oferta de empregos na indústria, mantendo chácaras, vilas, sítios para moradia. Sou amigo da família Brasizza, em Santo André, e sei disso.  

Aos 9 anos, Marisa foi tomar conta de duas meninas, pouco mais velhas do que ela. Mais tarde, trabalhou 13 anos na seção de embalagem das Balas Dulcora. Casou-se com um taxista, assassinado 6 meses depois, ela grávida do filho Marcos.

Em 1973, conheceu Lula no sindicato e o que veio depois vocês já sabem.

Hoje em dia, São Bernardo do Campo tem perto de 900 mil habitantes. Santo André 750 mil, São Caetano 180 mil e Diadema 450 mil. Agregando as gracinhas no topo da Serra são quase dois milhões e meio de pessoas, com características paulistas e imigrantes parecidas.

Por que com essa história, dona Marisa Letícia Casa Lula da Silva não poderia chegar ao Palácio do Planalto, plantar uma estrela no jardim e promover uma festa junina?

*Nota: as informações sobre a família Casa foram obtidas aqui

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

16 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Porque, apesar de ser branca,

    Porque, apesar de ser branca, descendente de italianos, paulista… casou-se com um nordestino, operário, gente do povão, do Brasil profundo, anterior à chegada desses “novos brasileiros”, que acabaram por se tornar a nova classe dominante e/ou compor seus substratos de amparo, vide os sobrenomes dos empresários, executivos, juízes, burocratas em geral… italianos, judeus, árabes… qualquer um…  Dona Marisa Letícia miscigenou os Casa… assumiu o Lula da Silva… a Casa Grande não perdoa!

    1. Apesar de ser branca…

      D. Marisa nunca se achou “raça superior”.

      E ainda deixou suas córneas para um país que não quer ver.

      Deixou seu figado para um país que sente ódio ao próximo.

      Deixou seus rins para um país que não quer se purificar.

      Linda Marisa Letícia !

      1. Robson e Liduína,

        Sabemos que foi assim e de muitos ainda será. Mas esses muitos ainda são poucos para fazer deste um país justo e menos desigual. Dona Marisa sabia disso. Abraços 

  2. Coisa de vira-latas pulguentos

    Mas claro que pode. E tanto podia que o fez. E tanto fez que agradou a muitos brasileiros. So não agradou a imprensa esnobe, que pensa que é elite e que desdenha tudo que soe legitimamente “brejeiro”.

    1. Maria Luisa

      os citados por você, ao meu ver, são os piores brasileiros e quem nos impede, há séculos, construir um  país menos desigual. Abraços

  3. Diria Montenegro que por causa do tédio do excesso

    O tédio do excesso
    Júlio César Montenegro 01/12/2006 10:11

    E o pior, no caso do Brasil, é que essa turma é bastante colonizada. Copiam o que é lançado em comidas, bebidas, vestuário, aparelhos, formas de diversão, locais de lazer…

    Brownie não era conhecido nem comido por aqui até uns 2 ou 3 anos atrás. Nouvelle cuisine já é coisa nossa pros bacanas. E o monte de livros que tem saído para ajudar a sentir o gosto dos bons vinhos, dos bouquets, das safras, aos cada vez mais numerosos degustadores da bebida que disputa com o whisky a preferência dos finos (geralmente roliços)?

    Moda decretada em climas frios é rapidamente importada pelos mais antenados criando climas chics em Teresina, Fortaleza, ou Manaus… mesmo a 40°C. E os carros, celulares, sons, tvs e uma imensa tralha de gadjets importados são fervorosamente adotados pelos que pisam no solo brasileiro mas mantém as cabecinhas ansiosamente desejantes dos made em quaisquer outras praças invejadas.

    Um club fica cheio de clubbers em New York? Está adotado pela nossa original elite. Um apresentador americano produz um talk show com bandinha tocando e caneca na mesa? Jô copia, né não? Ecstasy? Fica chic se drogar.

    Miami, Ibiza, Bali, Acapulco, Cancun? Não foi ainda? Então não pertence aos happy few… aos poucos bestas que não sabem nem do que gostam. Por que só gostam do que é bom. Quer dizer do que é CARO.

    Agora, dá pra entender porque a Danuza, por exemplo, tem alergia a festas caipiras? E o Mainardi, a folclore?
    E o Jabor, ao Brasil? São finérimos!

    https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:UZJzHktNWcUJ:https://midiaindependente.org/pt/red/2015/07/542953.shtml+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br

    Aí, Xará?

  4. A ancestralidade do antipetismo

    No segundo semestre de 2014, o professor de sociologia IV, da FESPSP, assustado e impressionado com a violência da campanha eleitoral, perguntou para a sala quando, em que momento da História tinha começado aquela patologia do antipetismo. As respostas foram as mais variadas, porém nenhuma delas o convenceu. Fiquei matutanto alguns dias varrendo o HD da memória, até que lembrei de uma conversa ocorrida em SP, em set/out-1980, entre eu, minha namorada de então, e a irmã dela, recém chegada de Dourados/MS. Comentava entusiasmado sobre o protagonismo político do Lula, desde o movimento sindical do ABC até o recém-fundado PT. A irmã da namorada vomitou um monte de impropérios contra o Lula, e nunca esqueci de uma frase: “…vai ver quantas fazendas ele tem” . Essa obsessão, além de doentia, é antiga e reveladora, como se vê, pois Lula ousou sonhar alto. O pau quebrou feio. Detalhe: O PT tinha sido fundado em 10.02.1980, tinha 7 ou 8 meses de vida, e já havia pessoas preocupadas com o patrimônio imobiliário do Lula. Talvez o antipetismo tenha começado naquele momento, quando Lula ousou ascender de dirigente sindical para dirigente partidário, e suprema pusadia, disputar um cargo majoritário. Recusou-se a ficar “no seu lugar”, de operário mão de graxa. 

    1. a….

      Fernando J, não adianta replicar velhas desculpas, nem fazer o jogo da vitima. Isto já teve o prazo de validade vencida. A esquerda está colhendo o que plantou. O PT mais que os outros. Uma por ter sido o partido no poder, e outra, por que diferentemente dos outros “vermelhos” não fugiu nem se acovardou. Ou se vendeu ou traiu sua história (o partido). Quer exemplos recentes ou apenas o jatinho-túmulo de um ex-governador já serve? Esta ideologia esquerdopata tupiniquim embolorada viu o precipicio e não mudou a rota. Nunca quis o dialogo nem a democracia. Alias, democracia burguesa liberal na qual ela não acredita. Sempre procurou o caminho do confronto. A destruição novamente da nossa economia e nossas empresas é reflexo deste emboloramento arcaico. O combate e a rotulação da agropecuária, transformada em agronegócio, para ser combatido de todas as formas é outro reflexo. Estava muito interessante o combate enquanto este lado batia e o outro apanhava. Enquanto pedra em terra de vidraça. Nossa visão, estratégia e planejamento de nação deve mudar rapidamente e de forma competente. Não para o bem das esquerdas, mas para o bem do país e de nós brasileiros. Esta degradação só nos levará à ruina. abs.      

      1. Zé Sérgio,

        “Nossa visão, estratégia e planejamento de nação deve mudar rapidamente e de forma competente. Não para o bem das esquerdas, mas para o bem do país e de nós brasileiros. Esta degradação só nos levará à ruina”.

        Fácil, não? Simples. E por que esse constante ‘esquerdopata”. Depois de 5 séculos, você espera isso de quem? Os direitapatas ou, melhor, direitapatos? Você não consegue perceber que subjascente ao seu desejo acima predomina um acordo secular de elites. Só posso te entender se a via que você enxerga é através das armas. Quem sabe … Abraços de sempre.

        1. ze….

          Caro sr. Rui, o sr. pergunta e o sr. responde. Não foi Machado de Assis, grande Machado, mulato, pobre, intelectual que correu arranjar um empreguinho público, um casamento com uma “Dona” de posses, onde se encostar? Não é a história brasileira e de nossa elite? Toda elite, intelectualizada e 99,99% de esquerda. Quer mais exemplos de escritores, intelectuais,  poetas, pseudo-jornalistas? Sem uma “garantia”, como pegar a garota de Ipanema quando sai da praia? Menino essssssperto do Rio, não foi invenção de Aécinho, nem Cabralzinho. São anos e anos de “elite são os outros” . Quem não sabia que Dilma era o último cartucho da esquerda até o povo constatar o óbvio? Agora novamente este mesmo povo, das lutas da redemocratização, do apoio incondicional aos movimentos sindicalistas e sociais, que votou em todas as facetas desta centro esquerda nestes 30 anos é que está errado? Este papinho já muito gasto de direita X esquerda, não cola mais nem nos levará a lugar algum. Serviu somente para ampliar nossa elite parasitária entranhada no Poder Público. Quem é está esquerda agora? Marta, depois do seu contrato fenomenal com as empresas de lixo, quando Prefeita de São Paulo? Vacarezza que pulou pro lado de Kassab? Agnello que juntou suas malas e malas de dinheiro, largou tudo e foi viver uma vida de luxos em Miami? Campos e seu jatinho “´ponta do novelo”? Freire e sua turma, atrás de cargos e verbas públicas, mesmo que golpistas? Aldo Rebelo, de comunista a amigo de Ricardo Teixeira e Eurico Miranda, numa só Copa? Ou será que precisamos de um novo Caudilho, um novo Pai dos Pobres, um Salvador da Pátria, e se ele tiver um AVC, esperaremos sentados pelo fim do Mundo?   Espero que nossa elite intelectual, financeira, empresarial, politica tenha planos e projetos mais sérios e realistas, porque senão a coisa será mais feia do que estava pensando. abs.       

    2. Sem dúvida, Fernando.

      As raízes do antipetismo são tão profundas que antecedem sua fundação. Não foi diferente na primeira metade do século XX, com o partidão e derivados. O mesmo quando estes se associavam a intelectuais da época. A população brasileira sempre olhou desconfiada esse vanguardismo intelectual entre operários. Isto, induzido com muita facilidade pelos truques e truculências da elite rural e industrial, através de seus processos de dominação.

      O PT bem começou assim por efeito da resistência à ditadura. E cresceu. E chegou ao Poder. E fez muito de bom por 10 anos. Descuidou-se, chafurdou na lama da governabilidade. Dançou. Só volta apoiando um nome nacional da esquerda. Como Brizola e Darcy não ressuscitarão – não precisam já sair batendo – penso em Ciro com o apoio de Lula.  

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador