Capítulo primeiro
Darwin manda lembranças
Taguatinga, Distrito Federal, 2019.
estava eu em casa, na lida de uma faxina, quando ouvi o já familiar alto-falante anunciar a chegada do caminhão de delícias:
– olha o abacaxi! abacaxi docinho do Espírito Santo, um mel! pera e maçã argentina, freguesa, vai perder? mamão papaia, mamão papaia igual não tem. doce de leite de Minas, pamonha do Goiás…
e foi aí, na “pamonha do Goiás“, que vesti a farda de ir à rua (camiseta que o boi Odilon mascou, bermuda frouxa e chinelos), panhei os cobres e desci para comprar a minha cota semanal do colosso.
à beira do caminhão, esperando minha vez, vi o híbrido de speaker e mascate de delícias interromper os comerciais para atender ao pedido de um caboco de seus, sei lá, 60 anos:
– diga, freguês – convocou o bom mascate.
– quanto é pra fazer um anúncio?
– amigo, eu só vendo fruta e doce, não faço anúncio.
– ué, qual o problema? vou pagar do mesmo jeito. só que em vez de falar de abacaxi, vai falar um recado. mais barato pra mim, um extra pra você.
o homem do caminhão hesitou, mas cedeu quando o caboco estendeu-lhe uma nota de R$ 5, um papelzinho, e falou: “Só ler isso aí ó, no rumo daquele bloco” – e apontou para o prédio em que eu morava.
após segurar a cédula por um tempo e ler o bilhetinho, o bom mascate guardou o dinheiro no bolso, raspou o gogó, e transmitiu:
– mamão papaia, mamão papaia, docinho e baratinho. pera macia, maçã argentina, abacaxi do Espírito Santos, um mel. atenção, Antônia, aparece de novo, hoje, lá no forró. te espero logo na entrada. Apareça, vai ser top.
creio que nem quando do ataque às Torres Gêmeas tanta gente virou os pescoços para o alto, contemplando um edifício.
buscávamos, todos nós, a visão de Antônia saindo à varanda para brandir um cúmplice tchauzinho de mão, ou, sabe-se lá, atirar vasilhas e panelas, mas nada vimos, e não importa: “Ela viu, ela vai”, garantiu o caboco, esboçando um sorriso de soslaio que ergueu levemente o palito de fósforo que mascava à guisa de chiclé-balão.
puxei aplausos.
Darwin disse que alcançamos o topo da cadeia alimentar não por sermos a espécie mais forte, mas a que melhor se adapta.
ignoro a quantas anda o preço do serviço de mensagens de amor em carros escalafobéticos, mas sei que, dada a crise, com todo mundo na pindaíba, o acerto ficou de bom tamanho para o contratante e de bom lucro para o bom mascate.
e sei, ainda, de uma coisa: odeio a gíria “top”, mas nesse caso me vi obrigado a adaptar a relação com ela. achei supimpa, digo, top.
Continua amanhã
Z Carota é jornalista e escritor, autor de “dropz” (Editora Penalux) e “a beleza que existe” (Páginas Editora)
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Twitter: @zcarota1
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