Apertem os cintos. O PNC (Princípio da Não Contradição) sumiu!, por Sr. Semana

Com certeza não se encontra em Brasília onde foi substituído por PC (o Princípio da Contradição).

Magritte

Apertem os cintos. O PNC (Princípio da Não Contradição) sumiu!

por Sr. Semana

“Está claro, portanto, que é esse princípio o mais certo de todos os princípios, e assim passamos a indicar qual é ele: É impossível para o mesmo atributo ao mesmo tempo pertencer e não pertencer à mesma coisa e na mesma relação” (Aristóteles, Metafísica, 1005B, trad. Edson Bini, Edipro, 2006)

Não se sabe se PNC continua no Brasil clandestinamente, se abandonou o país voluntariamente, exilando-se em país mais esclarecido, ou se foi daqui banido legal ou milicianamente. Com certeza não se encontra em Brasília onde foi substituído por PC (o Princípio da Contradição).

A desenvoltura de PC tem dado dor de cabeça aos cientistas políticos que buscam dar uma explicação racional ao que vem ocorrendo no Brasil, tem contribuído para o que muitos observadores consideram uma inação da oposição, e explica, em geral, a perplexidade dos observadores, dos políticos de oposição, dos cientistas políticos, e de todos, aqui e no exterior, que tentam entender a realidade brasileira atual.

Anoto aqui sete trabalhos notáveis de PC, de fazer inveja a Hércules.

1/ Temos um dos governos mais liberais do mundo. Temos também um dos governos mais antiliberais do mundo. Liberal na economia. Antiliberal nos costumes e em todos os âmbitos não econômicos. Ora, o liberalismo era um todo coerente quando foi intelectualmente elaborado por Locke e outros pensadores. A propriedade privada e a liberdade econômica empreendedora eram justificadas com os mesmos argumentos e doutrinas que justificavam a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a liberdade de cátedra e a liberdade de imprensa.

2/ Embora ultraliberal, a favor do estado mínimo, o governo também opera contra este mínimo de estado. O mínimo do estado é o monopólio do uso legítimo da violência pelas forças estatais legalmente constituídas. Mas o governo usa o estado no sentido de fortalecer milícias que põem em xeque justamente este mínimo de estado.

3/ Uma das principais bandeiras do governo é a do nacionalismo e do patriotismo. Mas no governo, esta bandeira é a brasileira, e também é, ao mesmo tempo, a bandeira dos Estados Unidos da América. Há países governados por políticos que se dizem nacionalistas assim como no Brasil. Mas não me consta nenhum país, certamente nenhum da importância do Brasil, tão completa e voluntariamente submetido a um outro—quanto mais entre os que se dizem nacionalistas.

4/ Há hoje, infelizmente, outros países em cujos quadros dirigentes há adeptos do nazismo cuja característica mais notável foi o plano de extermínio do povo judeu, execução somente interrompida pela derrota da Alemanha na segunda guerra mundial. Há também muitos países—sobretudo ricos—que defendem Israel com armas e recursos. Não há, entretanto, nenhum governo no planeta com membros de alto escalão que adotam uma ideologia que prega o extermínio do povo judeu e que, ao mesmo tempo, apoie tão incondicionalmente o estado do povo judeu, inclusive nas suas ações mais desumanas contra os palestinos. 

5/ Dificilmente encontraremos algum país hoje, cuja constituição afirma a laicidade do estado, mas que adote políticas e sofra influência tão acentuada da religião majoritária no país. Mas não é só este o quinto trabalho de PC. A religião alegada contradiz explicitamente os valores defendidos pelo governo em nome da religião. 

6/ Outra bandeira do governo é o combate à corrupção…

7/ … e o combate à ideologia em nome da eficiência e neutralidade técnica do funcionalismo público, para o que propõe … o fim do concurso público! É notável a colaboração de CP (Contradição Performativa), irmão de PC, nestes dois últimos trabalhos. Pensem, por exemplo, na performance “judicial” conduzida pelo “juiz” que viabilizou o governo do qual é ministro—pasmem—da “justiça”!

O PC brasileiro tem origem e trajetória bem definidas embora pouco conhecidas. Floresceu nos séculos XVII e XVIII nos grotões conservadores fundamentalistas cristãos dos Estados Unidos da América, trazido por puritanos (calvinistas) cujo radicalismo religioso entrava em choque com a igreja Anglicana e por isto tiveram de deixar o Reino Unido. Aliás, um ministro importante do governo lamentou que a nossa origem não tenha sido a mesma, pois, segundo pensa, a “pureza” da origem puritana não levaria à sujeira da corrupção. Agora trabalha num governo que tem por projeto insano e megalomaníaco a correção da cultura resultante da nossa história no sentido de aproximá-la da subcultura extrema-direitista cristã norte-americana que os principais do governo têm como modelo. Voltando à história do PC brasileiro, incialmente e timidamente a partir da segunda metade do século XIX, e de forma crescente ao longo do XX/XIX, com a multiplicação das igrejas pentecostais e, posteriormente, neopentecostais, e com o aparecimento de outros grupos de extrema direita como o arianismo neonazista, este caldo de subcultura ultradireitista norte-americana foi sendo sub-repticiamente exportado para outros países até aparecer em céu aberto no Brasil, ocupando o governo. Os sete pares contraditórios acima elencados são ingredientes do caldo… 

***

Do nada PC invade a crônica, interrompe-a e questiona:

PC – Exijo direito de resposta! É você mesmo, PNC, autor que se esconde por trás deste Sr Semana, quem estou interpelando.

PNC – Mas como é possível alguém dirigir-se a mim, se estou desaparecido?

PC – Quando estou em vigência tudo é possível. 

PNC—Então faça uso do logos.

PC—Entendo muito bem sua estratégia, PNC. Sua intenção ao tentar dar uma explicação às contradições do governo é querer mostrar que é você afinal, e não eu, quem ainda dá as cartas. Sou contraditório, mas não sou burro.

PNC – Bravo PC! Você se mostra nem burro nem contraditório. Você volta ao nada de onde veio. Você é uma ilusão, ou melhor, uma doença. Simples deformação da nossa estrutura racional.

Redação

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