As novas imagens da Lava Jato, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Foto Revista Fórum

As novas imagens da Lava Jato, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Vivemos num mundo povoado de imagens. Algumas delas são familiares e outras locais, elas dizem respeito às nossas próprias vidas. A maioria das imagens que nós consumimos, porém, não tem qualquer relação com o nosso cotidiano. Elas foram produzidas por outras pessoas em outros lugares distantes e muitas vezes em épocas passadas. Imagens futuristas rapidamente se tornam antigas à medida que outras vão sendo produzidas e distribuídas até conseguirem colonizar nossos imaginários.

À medida que nossas coleções de imagens vão crescendo, aprendemos a separá-las e cataloga-las de acordo com vários critérios: época, país, região, cidade, utilidade, proximidade, distância, cor, forma, etc… O critério afetivo, porém, talvez seja o mais importante. Nós gostamos de algumas imagens, outras nós odiamos. A mesma imagem, contudo, é capaz de provocar emoções diferentes em pessoas distintas.

Quem ama a imagem de Lula odeia a de Sérgio Moro. A reciproca também é verdadeira. Quem ama a imagem do juiz quase sempre odeia a da vítima que ele encarcerou. Mas não é desse assunto que quero falar no momento. Hoje pela manhã me ocorreu uma pergunta dolorosa: quais são as imagens mais grotescas e repugnantes que eu já vi?

Duas imediatamente foram projetadas novamente na minha consciência. A primeira foi de uma jovem empregada doméstica vomitando lombrigas no tanque na casa em que morei em Eldorado SP. Ela morava na roça e foi contratada pela minha mãe para trabalhar e morar em nossa casa. Aquela imagem provocou em mim um sentimento profundo de nojo e de terror. Ela ficou gravada de maneira tão forte na minha consciência que consigo vê-la mentalmente 46 anos depois.

A segunda foi o de um operário que havia se enforcado num sobrado em construção na periferia de Osasco SP. Pulei o muro da obra para pegar a bola e lá estava o enforcado, os pés quase rentes ao chão pendurado no andaime. Ele havia usado fios elétricos para tirar a energia vital do próprio corpo. Sempre que passo próximo ao sobrado que existe no local vejo mentalmente o cadáver robusto, rígido e roto que me deixou pasmo: porque alguém tiraria a própria vida daquela maneira? Aos 13 anos de idade ninguém consegue encontrar uma resposta para essa pergunta.

Pensando bem, essas duas imagens são aspectos diferentes de uma única pintura: aquela vai sendo composta de diversos fragmentos da mesma pobreza que afeta um número imenso (e agora crescente) de brasileiros. Pobrezinha, a empregada contratada pela minha mãe tinha lombrigas demais porque a casinha de pau-a-pique em que ela vivia com os pais tinha higiene de menos. O operário maltrapilho não saiu da vida para entrar na história. O mais provável é que ele tenha saído da história porque não conseguiu entrar nela, ou pior, porque concluiu que havia entrado pelo cano e seria melhor ganhar uma cova rasa.

Na marquise de um sobrado abandonado do outro lado da rua onde fica meu escritório três desgraçados disputam dois colchões velhos. O lixo se acumula em volta e dentro deles. Como tantos outros eles são réus inocentes condenados indiretamente pela Lava Jato. Por tudo que já vi na vida, não ficarei surpreso ao ver um deles vomitando lombrigas ou cometendo suicídio. Mas as crianças que forem obrigadas a ver isso certamente irão reagir com o mesmo espanto que mordeu minha consciência há tanto tempo.

Lula (e essa cartinha virtual é endereçada a ele) saiu da pobreza para tirar milhões de brasileiros dela. Ao que tudo indica Sérgio Moro sempre teve uma vida confortável. Nos últimos dois anos ele conseguiu tirar o conforto de milhões de brasileiros para poder prender injustamente o ex-presidente petista. As vítimas colaterais dos processos da Lava Jato foram ignoradas. Elas não tiveram direito de defesa e não serão nem mesmo vistas pelo juiz. De fato, os jornalistas que gostam da imagem dele nem se dão ao trabalho de ver as novas imagens que ele ajudou a produzir. E muitos de nós já estamos começando a conviver com a miséria humana e imagética como se ela fosse natural e não produzida.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. Gostei muito. Todas essas

    Gostei muito. Todas essas imagens são muito comuns à maioria dos brasileiros. Moro faz parte da minoria que odeia o próprio povo que lhe paga o salário todo mês.  Bela reflexão do Fábio, que está se revelando um grande intérprete da trágica realidade brasileira.

  2. hotel

    A prefeitura de Santos distribuiu nas ruas da cidade grandes caçambas de lixo. São de plástico e tem tampa articulada. Me deparei com um morador de rua montando guarda ao lado de uma delas. Vi a tampa se abrir e de lá emergiu um outro morador de rua. Provavelmente ali era o banheiro da “casa” dele.

    Todos os dias inicio minha caminhada na praia as 6:30 horas. Dia destes resolvi contar quantas pessoas dormiram na rua. Em duas quadras e meia contei 12 mais duas “camas” cujos ocupantes estavam ausentes. Neus amigos coxa dizem que sempre foi assim. Que são um bando de desocupados. Cambada de vagabundos.

    É o Brasil onde o exército compra caviar, o STF manda construir salinhas reservadas nos aeroportos, o golpista manda instalar antena de celular no “aerolula”, e o sejumoro mantém um cidadão brasileiro preso e despojado de seus bens sem nenhuma prova.

  3. Vou além.

    O preconceito cega. A imagem criada pela mídia de que todos os problemas do país foram causados pelo Lula, Dilma e o PT é tão grande, que a massa de desinformados insiste nessa tecla, simplesmente ignorando/não compreendendo tudo que foi feito por Temer e Cia. Daqui a 50 anos, quando não sobrarem mais do que cinzas pós Golpe de 2016, eles continuarão dizendo: “viu? Foi tudo culpa do PT”.

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