Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Beto do Bandolim e a ressurreição, por Urariano Mota

Beto do Bandolim e a ressurreição, por Urariano Mota

No fim do ano passado, o violonista e otorrino Racine ligou para a casa onde moro. A minha esposa atendeu, e Racine perguntou:

– Tudo bem?

– Tudo bem.

– Como está Urariano?

– Está bem. Trabalhando agora.

– Ah, fico feliz…. é que ouvi falar que ele havia morrido. Que absurdo.   

– Mas ele está vivo e escrevendo agora.

– Ótimo. Um bom dia pra vocês.

Assim, em meio a uma crônica, recebi a notícia de que eu havia partido desta pra  ninguém sabe onde. Então, ainda em dúvida sobre se eu andava ou vivia, liguei para o amigo dos artistas no Recife. E o cumprimento:  

– Racine, tudo bom?

– Ó meu amigo, que alegria. Tudo bom.   

– Racine, por favor, como surgiu a história de que eu havia morrido?

– Que coisa, não é? Beto estava tocando no Paço do Frevo, e lhe falaram:  “Você sabe quem morreu? Não? Urariano morreu”. E Beto me ligou perguntando se isso era verdade. Ele estava meio abalado. Venha para um encontro de música lá em casa.  

– Ah, muito obrigado, amigo. Eu vou, se continuar falando. Abração.

Ligo para a casa de Beto:

– Beto, tudo bom, rapaz? Estou vivo.

– Urariano, que alegria, meu amigo. Mas que coisa…

– Beto, como foi que chegaram à minha morte?   

– Eu não sei, rapaz. Acho que confundiram o teu nome.

– Será que me confundiram com algum Uriano ou Urano?

– Será? O bom é que você está vivo e com saúde, meu amigo.

– Muito obrigado, Beto, Abração.

E assim ficamos. Ou julgávamos que ficaria. Mas eis que no último sábado, ou melhor,  no mais recente sábado, eis que vou ao lançamento de livro de José Nivaldo, na Livraria da Jaqueira. Quando entro, reencontro o meu amigo, um dos maiores bandolinistas do Brasil, a quem chamamos de Beto do Bandolim. Tocando e sorrindo. E nos abraçamos. Ele não falou, mas eu ouvi:

– Urariano, você não morreu.

Ao que lhe respondi, sem falar:

– Estou vivo e bulido. E com todo gás.

Mas moderei o entusiasmo, nada disse. Comprei o livro, cumprimentei o autor José Nivaldo pela obra “Tudo pelos ares”, e volto para assistir ao bandolinista dos melhores do Brasil, Beto do Bandolim. Em outra mesa, descubro o médico Meraldo Zisman, referência humanista e científica em Pernambuco. Ele se levanta num intervalo e vai até o nosso músico para lhe dizer e falar:

– Eu trocaria todos os meus títulos de médico, de doutor, até o de Oxford, para ter o seu talento de músico. Todos os meus títulos. Você é o melhor bandolinista que já ouvi.      

E se retira. Beto fica a sorrir e me pergunta:

– Quem é ele?

– É um dos melhores médicos de Pernambuco, Beto.  

E só agora na pesquisa posso acrescentar: Meraldo Zisman, Doutor em Medicina –  Universidade de Bristol (Reino Unido); Consultor Honorário da Universidade de Oxford; Cientista Visitante da Clínica Tavistock – Londres; Consultor da Organização Mundial de Saúde; Membro da Academia de Médicos Escritores; Ex-diretor médico do Hospital Português; Membro da Sociedade Real de Medicina – Londres…..  

Então fica mais claro o sentido das suas palavras:  

– Eu trocaria todos os meus títulos para ter o seu talento, Beto. Todos.

Na hora, sem saber a extensão prática da frase de Meraldo Zisman, mas somente com a razão do sentimento fico a puxar aplausos para as belas execuções de Beto do Bandolim.

– Bravos!

E falo para o músico, para os músicos que o acompanham, mas me dirigindo a todos:

– Vamos aplaudir. As pessoas têm vergonha de aplaudir um artista. Mas não se envergonham de brigar nos estádios de futebol….

O músico sente e guarda dentro de si o pagamento que não é dinheiro, mas é caro e grato para a sua alma. Então procuro alcançar com mais verdade, depois de ouvir A Tua Imagem, de Canhoto da Paraíba, que ele acabou de tocar:

– A felicidade é a boa música ou um bom livro.. Isso é a felicidade. Essa música, Beto, faz a gente feliz.

Ao falar essas palavras, eu não sei se agradecia a Beto a oportunidade da minha ressurreição. Mas para o que pensei íntimo ele respondeu:

– Eu vou fazer um choro pra você. Vai ser “O choro para Urariano”. Aguarde.

A isso, eu só pude responder:

– Mas não demore muito, viu?

E acrescento:

– Vamos tirar uma foto. Eu vou postar no Nassif.

E Beto:

– Diga que eu mando um beijo pra ele.  

Então vamos aguardar. Que venha o choro sem o defunto, ou o próprio choro da ressurreição por Beto do Bandolim. Mas sem muita demora.

 

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

1 Comentário

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  1. Então vai ser um Choro generoso

    “A felicidade é a boa música ou um bom livro”. E os encontros que fazemos nessa vida. Os bons encontros.

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