Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
[email protected]

Cafezais caseiros, por Rui Daher

Cafezal

Este “Pelinho” que está aqui na varanda de um cafezal em Muzambinho, montanhas mineiras, luz de lua e tela, noite excessivamente estrelada, pios e gritos animais aqui e ali, marca minha virada de maio para junho de 2017. Ele acompanha a minha escrita e o meu espírito. Parece interessado. O dono da fazenda e dele, dentro da casa escuta Renato Andrade na viola-vitrola.

Vocês não o conhecem. Idoso como eu. Antes, depois do jantar, autografo e dou-lhe como presente um “Dominó de Botequim”, explicando não ser um livro sobre política. Puta pretensão. Levanta e tira um livro de uma pequena estante: “Veja o que estou lendo”. A biografia do Carlos Marighella, do Mário Magalhães. Rimos.

Espero Darcy chegar para conversar com ele sobre este “Pelinho” ousado, agora com as duas patas sobre minha perna, e seu também ousado dono.

Darcy demora. Lembro de quantos “Pelinhos” e donos assim vocês conhecem e têm como amigos.

Aqui sou feliz. Trabalho muito durante o dia. Vezes há parecer que, depois de 40 anos fazendo o mesmo, não irei aguentar a dor no corpo e as pernas bambearem com o subir e descer do carro nas visitas durante o dia às lojas agropecuárias ou ao “Plantadores”, de Geraldo Vandré, que me oferecem açúcar regado com café e perguntas e respostas que, poucas, chegam ao urbano.

À noite, quando pedem, palestro para quem produz alimentos. Vocês ainda comem, meninas? Nelas, resisto falar sobre as realidades políticas e econômicas subjacentes às suas vidas. Passa-me na cabeça voltar às décadas de 1960/70 e acender a tocha do Molotov, que na época AK-47 não me chegava, e denunciar que reinventar a esquerda é o pleonasmo mais babaca que já ouvi. Bastaria lembrar que o “galope começa na beira-do-mar” para invadir o sertão.

E Darcy não chega. Melhor. Não gostaria que eu lhe contasse do que acontece hoje no Brasil. Gargalharia, mangando de mim, ou choraria. Sempre foi de fortes emoções, nosso Ribeirão, para Glauber Rocha um “Riveirão Suassuna”, ainda mais me sabendo na sua Minas Gerais.

“Pelinho” me faz voltar à casa em São Paulo. Lembro da canina filha Filó. Quando voltar, em quatro dias, será que a encontrarei enxergando, diabética que ficou e cega está? Quem sabe. Diabético sou há 42 anos, mas capaz de enxergar as mais minúsculas canalhices, às esquerda e direita, como um lince.

A esta hora já torço que o antropólogo não venha nesta noite. Provável estar se divertindo com uma mulata – ops, desculpem-me, com uma clara e feia afrodescendente, que de beleza não se pode falar, embora imagine o palavrão que diria ao ser, como eu, criticado por machismo.

De volta à casa, um largo sorriso de Cléo anuncia uma Batata. Não para o almoço e sai. Triste, constato que Filó não melhorou. Piora. Fez todas necessidades possíveis na sala. Hidrografias e relevos montanhosos. Sobrou-me entender, acaricia-la e partir para a limpeza.

Foi quando notei que sou péssimo em passar o rodo. Tanto que na vida sempre levei rodo e nem consigo passa-lo em feministas 4.0. Fiz a tarefa. Mal. Agora espero o sol completar a secagem da água.

Fui mulher, não fui?   

https://www.youtube.com/watch?v=-eoFiCmGWN0]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=ggMTpeOv4nc

 

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

      1. Odonir, querida

        Não está sendo fácil com a Filó. Foi muito rápido. De um dia para o outro ela que corria alucinada pela casa aquietou-se, ficou jururu, perdeu as disciplinas em que era craque. Eu, Cléo e o Gabriel ficamos atônitos. Sei lá, vamos levando, mas acho que não será por muito tempo. Linda a canção do Chico César que tive o prazer de ouvir ontem no Largo da Batata. E Espelho Cristalino é uma das minhas favoritas do Alceu. Beijos. 

  1. cafezais…..

    Há alguns anos, um político norte americano indagado que a pobreza brasileira e suas consequências eram resultado do intervencionismo americano, a influência das grandes potências, o colonialismo, os interesses estrangeiros,…. E com a chegada da democracia, da esquerda, do aumento da manutenção das riquezas nacionais, isto mudaria e desapareceriam as crianças de rua e as favelas, ele saiu com esta: Este aumento de renda se transformará “significativamente” em compra de ração para cães. Já somos o 4.o maior mercado para produtos e rações para cães e gatos. Crianças abandonadas e favelas continuam todas aí. Mas a culpa deve ser do Trump e do Capitalismo. Quanto à foto do cafezal e este sr. colhendo (lembrou seu paí, sr. Daher?), a agropecuária traz consigo o Estado Brasileiro, nos territórios nacionais onde ele não existe. Assim como as casas e construções da periferia, faz com que toda urbanização e infraestrutura venha atrás. Nos dois casos deveria ser o contrário. Começamos a conhecer nosso próprio país.    

  2. Emoção.

    Este texto me trouxe lembranças do bom café de Muzambinho, Mococa e cercanias que  na década de 50 ainda era cultivado em fazendas dos tempos de Brasil Imperial . Café, na época, único bem de exportação. Desejo bom descanso para Filó. AK-47 é que restou.

    1. Serralheiro,

      os cafés da região continuam ótimos, só que hoje em dia plantados em propriedades menores criadas pela reforma agrária autônoma, sabe né, de pais para filhos, e assim por diante, até netos, bisnetos, todos com suas lavouras, muitas tocadas sem empregados, com mãos grossas e calejadas. 

      Obrigado pela Filó e abraços.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador