Colônia Café-com-Leite, por Jean Pierre Chauvin

Kazuki Yamamoto

Colônia Café-com-Leite, por Jean Pierre Chauvin

Talvez seja oportuno iniciar esta pseudocrônica com um assunto mais ameno e “livre” de “ideologia esquerdista”. Começo.

Há instantes, enquanto esperava pelo livreiro que avaliaria uma centena de livros que havia separado para vender (e dar entrada para outros, não necessariamente “novos”), cogitava sobre um dos poucos hábitos paulistanos que poderiam nos definir. Refiro-me às três formas como os botecos concebem a mistura do café com leite.

Atribui-se o nome Média para a bebida que obedece a proporção meio a meio, entre café e leite. Dá-se o nome Café com Leite à fórmula que leva mais café que leite. Instituiu-se o nome Pingado ao conteúdo que leva mais leite que café.

Como uma coisa leva a outra (com o perdão da frase-feita), fui arrastado às águas fétidas e turvas da suposta isenção política (ou ao menos, do silêncio duplamente hipócrita de meus conterrâneos). A senhora internauta, o senhor internauta, que são sujeitos esclarecidos e desconfiados, adivinham o teor da hipótese: haveria três espécies de cidadãos nesta megalópole com jeitão e discurso de província?

Antes de avançar, recordemos o básico.

Se você é dessas(es) que leem e enxergam as coisas criticamente (ou seja, sem adesão prévia e cega), talvez se recorde de que, nove anos após proclamada a República, e sete anos depois de publicada a Primeira Constituição dita republicana, os Estados Unidos do Brasil transferiam a sua dependência econômica da Inglaterra, que perdurava desde meados do século XVII, para os Estados Unidos da América.

Quando se encerrava o governo de Prudente de Morais, em 1898 (sempre achei esse nome e este sobrenome representativos do que esta “grande nação” continuaria a ser…), articulava-se um desses “grandes acordos nacionais”, entre São Paulo e Minas Gerais (onde, depois, Getúlio Vargas veio meter a colher, digo, a bomba de chimarrão). A tal “política dos governadores” seria a diretriz da chamada “república do café-com-leite”, que, em tese, estendeu-se por mais de 30 anos(!): sim, isso mesmo: três décadas de alternância de poder entre o PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido Republicano Mineiro).

Em suma, mais ou menos entre 1898 e 1930, o comando de todo o país (que defendia a bandeira da descentralização federativa, desde a década de 1870), ficou concentrado em dois Estados (São Paulo e Minas Gerais), o que sugere estar em curso, pelo menos desde o Segundo Império, a nova velha mania de os políticos, latifundiários e outros que-tais a renegar aquilo que já praticam e continuarão a fazê-lo – em nome da ordem, da família, da religião, dos bons-costumes e da ideologia “modernizadora”, “flexibilizadora”, “anti-comunista”, “nacionalista” etc.

Ah, bem, onde estávamos, mesmo? Ah, sim, perguntava se poderíamos estabelecer correspondências entre as modalidades de café com leite (servidos em botecos) com os espécimes de paulistanos. É provável que, com pequenina dose de agudeza, sim. A metáfora seria poderosa e soaria elegante. Mas, a essa altura, já avança o domingo e, embora não tenha compromisso com padre ou pastor, nem com apresentadores da televisão, tenho mais o que fazer.

Os diletos internautas bem que poderiam, se assim o desejarem, esticar a metáfora. Quem sabe ela se transforme em alegoria? Por falar nisso, vou fazer um café. Servidos?

Redação

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