Como seria fantástico um jornal que não sabe o que acontece
por Maíra Vasconcelos
Ouça a crônica aqui: 110625_004
Hoje, ao ler os jornais, percebi todas as palavras realmente exatas e presentes. Tão diferente da fantasia que elabora uma palavra vindoura, mas que talvez fale apenas o silêncio dela mesma. Sem, sequer, dar maiores explicações. Simplesmente enrolou o leitor e foi embora para obrigá-lo a uma visita intrometida.
Na ficção a palavra talvez precise não-ser aquilo que supostamente sugere. Ser-outra-coisa é muito importante para as palavras que devem se vestir para além do óbvio. Ser sempre e constantemente mais do que o dicionário. Não sei se estou sendo clara, já que descrever a palavra-fantasia, talvez não permita demais aclarações. Esclarecer, mas nunca até se esgotar no claro de tudo. Afinal, a palavra se faz no claro-escuro. Lembram?
A fantasia necessita aquela brecha de interrogação contínua para dizer o que não necessariamente sempre responde. Aquela descrição que, às vezes, se ausenta. Afinal, para ter respostas concretas, basta abrir os jornais. E hoje, ao ler os jornais, vi que o rumo da ficção não é objetivo e, além do mais, permite ao leitor elaborações muito íntimas e pessoais. Isso que os jornais jamais permitem: deixar o leitor ao bel prazer da imaginação e de uma falta de resposta.
Afinal, alguém já viu um jornal dizer: houve um acidente na Avenida Afonso Pena, perto de algum lugar um pouco inexato, o número de vítimas pode ser muito impreciso, e não sabemos dizer, ao certo, o nome dos envolvidos nem se alguém se salvou; esse é, pois, um acidente daqueles misteriosos. Meu Deus, como seria fantástico um jornal que não sabe o que acontece, que simplesmente não se preocupa em buscar isso que é o seu próprio ouro, a palavra informativa. Imaginem, é como se existisse um não-jornal.
E hoje, ao ler os jornais, percebi que muitas das palavras ali deixam de ser palavras para serem dados concretos, com nome de rua, dia, hora, local, data, aspas. Parece haver também no jornalismo certa transformação da palavra. Mas, reparem, nunca em sentido a buscar a beleza, isso que significa fugir do real, do cotidiano, de uma autoridade pública que precisa se explicar em alguns parágrafos. Ah, como é bonito poder traçar outros rumos para o cenário da vida. Isso que os jornais jamais poderão e, além do mais, estão proibidos de fazê-lo.
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