Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Dominó de Botequim, o Retorno – Capítulo 1, por Rui Daher

Dominó de Botequim, o Retorno – Capítulo 1

por Rui Daher

Encontro os amigos Fernando Juncal e Manoel Vieira, coautores do “Dominó de Botequim”, livro por mim lançado em dezembro de 2016.

Marcamos no Bar do Ceará, em Vila Buarque, São Paulo, pertinho da Rua Maria Antônia, onde eu frequentava as leituras e discussões das obras de Karl Marx com orientação dos professores Bento Prado Jr. e Antonio Benetazzo. Descendo a Vilanova, olhava para a portinha onde ficava o “Bar sem Nome”. Quem sabe sobrara um banquinho para nos sentarmos ao lado de Chico Buarque e Maranhão, vindos da FAU para bebericar cachaça, poesia e política?  

Até que o pau quebrou e, sim, pusemos nossos blocos nas ruas. A vida valia menos do que a revolução.

Esses pensamentos me acompanharam até cruzar a Praça Leopoldo Froes, do teatro e da Escola de Sociologia e Política, e encontrar os amigos no “Ceará”.

Beijo-os e Fernando pergunta:

– Rui, temos nos visto em manifestações, no Al Janiah, nos saraus do “turco”, por que não mais no Serafa?

– Covardia, amigos.

Entra Manoel:

– Você com medo? Um gajo honesto que me devolveu o kit completo de dominó que levei para enfeitar sua noite de autógrafos?

– Lembro, Manoel, estavam lá vocês, Nassif, Ivan Ângelo, Márcio Alemão, Sérgio Lírio, meu médico, os melhores amigos, familiares.

– O Alexandre Frota …

– Pô, não fode, Fernando. A galhofa ainda não começou. Tá difícil recomeçar. Pensei o livro um sucesso. Sabe essas coisas de vaidade literária. Pois é, caí nela. Principalmente, depois do Jabuti me rejeitar.

– Tu já viste um bicho desses? Feio demais, nenhuma virtude, a não ser quando em caldo. Depois do lançamento do livro, aumentou muito o número de associados à Federação de Dominó,

– Manoel, se é pesquisa Datafolha, deixo pra você acreditar.

Fernando, diretor executivo, continua:

– Rui, não vou perguntar o motivo de, após dois anos reaberto o Botequim do Serafa, você nunca ter mais aparecido por lá. Nem preciso dizer que a desolação é geral. Mas te respeitamos. Você liderou a reabertura e o sucesso a que chegamos.

– Caros, não consigo tirar de minha cabeça aquele domingo de setembro de 2015. Quem leu o livro lembrará dos capítulos finais e da explosão da bateria de heróis que desceu de céus, morros e colinas para saudar a nossa volta. Achei que, depois daquilo, nada mais precisaria ser escrito ou exposto. São Paulo, Brasil, gente do bem, estariam resgatados. Por que voltar ao assunto, num Brasil que se deteriorou e onde não caberiam mais nossas simplicidades e idiotias? Durante esse tempo, trabalhei para viver, escrever e tentar ser livreiro. Não fui exitoso em nada.

– Pois, então, leia a carta que recebi:

“Prezado Luiz Fernando Juncal Gomes,

Aqui Ariano. Sabemos o estimado, igualmente estimado pelo Rui Daher, influente nas decisões de nosso amigo. Darcy e Melodia, aqui ao nosso lado, consideram os capítulos escritos pelo senhor como soberbos. Eu e Walther, nos abstivemos de comparações.

Recentemente, em visitas semanais que Deus nos permite, estivemos no esplendoroso Hotel Cassino Palace, de Poços de Caldas, e lá encontramos com Rui. Walther foi mais longe na conversa com o menino de 72 anos, que será muito bem recebido por nós quando aqui chegar.

Tentamos convencê-lo a voltar a frequentar o Botequim do Serafa e contar suas novas histórias. Foi bom para nós e não pense ele que vendendo insumos agrícolas benéficos ficará feliz ou rico. O planeta só aceita más intenções. Nós daqui sabemos.

Tivemos uma audiência com o Presidente, Primeiro-Ministro, Rei, soberano daqui. Ele nos disse que a escrita do Rui é essencial para que o planeta melhore um pouquinho. Disse, e o Darcy o apoiou, que está de Saco Cheio (para Ele, sempre usar maiúsculas).

Pediu-nos que o convençamos a voltar a frequentar o Botequim do Serafa, e continue a promover o deificado jogo do dominó, escrevendo as maravilhosas histórias das gentes que por lá passam. Ele diz: “não faz mal se não acreditam que os fiz, tenham certeza que a todos amo”.

Fez um último adendo: “Acham que Paulinho da Viola fez tudo o que fez sem que Eu o ajudasse”?

Melodia calou-se, apenas balançou a cabeça afirmativamente, pensando nele mesmo.

Agora é com vocês. Estaremos aqui no Cassino do Palace Poços de Caldas para qualquer ajuda.

Atenciosamente,

Assina o Conselho Consultivo: Darcy Ribeiro (presidente); Ariano Suassuna (vice); Luís Melodia (editor de cultura), Walther Moreira Salles, pai (diretor financeiro e de relações com o rentismo).

Leio, olho para os dois amigos, chopes pela metade:

– Mais três e salineiras.

Manoel faz um gesto negativo de mão: “Depois”.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO, A PRIMEIRA VISITA AO NOVO BOTEQUIM DO SERAFA.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

13 Comentários

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  1. Bons  tempos da era de

    Bons  tempos da era de chumbo, quando no Bar SEM NOME se bebia, se paquerava e discutia sobre Max, Freud, Marcuse, Hesse, e outros,

    Sempre ouvindo e falando sobre a nossa  maravilhosa musica brasileira.

    Saudades.

  2. Ao jovem revolucionário 7.2

    Direto do Rei (das Batidas), na ante-sala da nossa USP, 

    do Bar do Zé, das noites, e de todos os sujinhos da Consolação e adjacências

    meu abraço fraterno e saudoso sim, por que não, de um tempo em que tínhamos sonhos e confiança absurda de que alcançaríamos a vitória: mudaríamos o país. Mas isso tudo, a meu ver – você já sabe – é apenas um retrato no google. E dói. Muito. Insuportavelmente já.

    Saudações ao nosso Dominó de Botequim, 2017.

  3. Um poemeu de maio de 2016

    SAUDADES INTERNAS

    Odonir Oliveira

     

    Saudade de beber vinho no mesmo copo e sempre.

    Saudade de dançar samba sem parar, de rodopiar e de rir muito com isso.

    Saudade de falar dos maiores problemas nacionais em cadeiras duras de botecos

    Saudade de companheirismo, cumplicidade, parceria

    Saudade de grandes brigas teóricas, históricas e poéticas.

    Saudade de colo canhoto, de mãos ásperas, de barbas por fazer.

    Saudade de poder chorar sem pejo, de blasfemar sem penitência e de solfejar o nada.

    Saudade de correspondência interna.

     

  4. A ESSÊNCIA DA LIBERDADE

    Adorei o texto, máxime as conversas livres no Botequim, ao meio da opressão.

    Só podemos avaliar o que seja a liberdade, quando a perdemos.

    Lembro-me de vários episódios, no início de minha juventude, quando nos tiraram o direito de escolher nossos caminhos. E é fundamental a educação, que sequer nos impõe limites; aprendemos os limites com ela.

    Um povo educado é livre, em toda extensão do seu conceito.

    Pela educação, não só conseguimos conhecimentos, mas principalmente valores, que nos permitem perceber que a liberdade é essencial e que nosso espaço não pertence a alguns.

    Temos o direito de escolher nosso destino.

     

    1. Edward, companheiro

      Essa a essência do problema brasileiro através do acordo secular de elites: não dar educação para que o povo não tenha liberdade. Abaixo o comentário de uma grande amiga e educadora brasileira, nos atesta.

      Abraços 

  5. Baixa nas fileiras

    Caros amigos e parceiros Rui e Cléo, 

    Notifique o Conselho Consultivo, na figura do Darcy ou do Dr. Walther, pelo correio com AR, para, quando dirigirem-me missivas, que o façam destinadas para o endereço de São Luiz do Paraitinga, a ser fornecido oportunamente, meu novo domicílio a partir de dezembro/2017. 

    Penhoradamente, agradeço. 

    PS.: Veja o post da Hildegard Angel. 

    Resultado de imagem para mato dentro cachaça

  6. Congelada
    Rui,
    não consegui ler ainda. Não resta dúvida, o farei.
    O “nó” que fechou minha garganta é o mesmo que, tal qual artrite, paralisa minhas mãos quando há qualquer coisa rolando pelas minhas bochechas sem que eu consiga pensar, só sentir – sem poder ler ou escrever com coerência e fluidez… Veja só:
    hoje é aniversário de minha chegada aqui e não enchi balões nem preparei um bolo porque só há mesmo um bom motivo para conemorar: o Dominó!
    Que seja longa a vida desta confraria que te acompanha na construção desta flâmula. Num momento de destruição, respirar aqui é colocar nos pulmões sobrevida para a esperança.
    Parabéns e obrigada pelo retorno à esta tela e à nossa semana!
    Grande abraço!

    1. Anna,

      nada apagará de minhas felicidade e memória nosso encontro no “botequim”, Botafogo, Rio de Janeiro, e todos lá presentes. Te aviso quando estiver no Rio. Beijos

      1. Gentil Homem

        Como pude constatar pessoalmente, minhas mãos nas suas, um verdadeiro cavalheiro!

        Venham e me avisem!  Vamos bebericar e conversar, nestes dias o mais singelo dos prazeres!

        Beijos da Anna!

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