Em nome de dona Tereza: não passarão!, por Luis Nassif

O grande ensinamento foi o amor pelo Brasil, um Brasil que ela cultivava nas canções da velha guarda e na festa de São Benedito, em frente de casa, ou convivendo com dona Tita, Ana, Vitória, primas e filhas do seu Zé Barbino, um dos mais antigos das congadas.

Dona Tereza morreu cedo, aos 63 anos, vítima de um hipercolesterol genético. Foi uma brava mulher, algo deslocada de seu tempo. Criança, ainda, teve reumatismo infeccioso, foi tratada por dois tios médicos de Vargem Grande do Sul, mas atravessou a infância e a adolescência cercada de cuidados.

Certamente ajudou no carinho com que sempre foi tratada pelas 8 irmãs e um irmão. Outro fator foi o de ser a jóia da família, linda, formada na Escola Normal de Casa Branca e, aos 23 anos, esposa do farmacêutico Oscar Nassif, 10 anos mais velho, e pretendente mais cobiçado pelas mocinhas de Poços de Caldas.

Foi figura referencial não apenas em nossa casa, mas na da tia Rosita, irmã de papai, casa vizinha à nossa, onde moravam tia Rosita, tia Marta, tio Léo, três primas e um primo.

Dona Tereza era a protetora de todos. Conversadeira como ela só. No mercado ou na feira, parava em cada barraca de conterrâneo – era de São Sebastião da Grama – para saber da cidade. Lembro até hoje do Nabo – nome curioso para um dono de barraca de mercado.

Passou para os filhos alguns valores eternos. 

O primeiro, a defesa dos mais humildes. Lembro-se quando se mudaram para São Paulo e fomos morar em uma vila na rua Eça de Queiroz. Havia uma feira em frente. Toda semana, um fiscal da Prefeitura investia contra uma japonesa que vendia pastéis. Ela entrava na nossa vila, ia direto para casa e dona Tereza ficava no portão, impedindo a entrada do fiscal.

Deixou-nos muitos ensinamentos. O amor pela música brasileira, por exemplo. O amor pelo país, embora de forma um tanto regional. Como vô Issa teve que fugir de Grama na Revolução de 1932, dona Tereza manteve intocado o espirito paulista. Gostava de cantarolar um dos hinos dos paulistas, acho que do Guilherme de Almeida:

“Eu sou paulista, desta terra boa / de um povo bravo, feroz mas altaneiro / que debaixo da garoa / vão levando vida boa sob as vistas do Cruzeiro”.

Os filhos e sobrinhos mineiros caçoavam da paulista. Mas era só nesse tema que dona Tereza sofria gozações. No restante, a ironia era toda dela.

O grande ensinamento foi o amor pelo Brasil, um Brasil que ela cultivava nas canções da velha guarda e na festa de São Benedito, em frente de casa, ou convivendo com dona Tita, Ana, Vitória, primas e filhas do seu Zé Barbino, um dos mais antigos das congadas.

Abominava as frescuras. Pouco antes de casar, as cunhadas sugeriram que fosse aprender tênis no Country Club, um arremedo do Country Club carioca. Em uma carta que escreveu ao seu Oscar, ela dizia que o único sonho dela era ser seu braço direito nos negócios. Jamais foi. O machismo árabe-mineiro do seu Oscar impediu.

Mesmo assim, ensinou todas as filhas a importância de serem companheiras dos futuros maridos, mas terem vida própria, serem financeiramente independentes. E não ceder às vaidades da vida. Tocou de casa umas senhoras que foram convidar as meninas para serem debutantes. E estimulou a leitura. Uma moça tinha que se preparar para a vida lendo, não se enfeitando.

Acima de tudo, dona Tereza celebrava a família, a grande família do seu Issa e de dona Martina, seus pais, a nossa família estendida, juntando com a da tia Rosita. E a família mais estendida ainda, cuja síntese ampliada era o Brasil. Orgulhava-se do seu país, passava esse orgulho para os filhos, comoveu-se até as lágrimas em minha primeira briga jornalística, aos 15 anos, contra o reitor do Colégio Marista. E, no final da vida, ainda teve forças para acompanhar meus primeiros vôos jornalísticos.

Quando surgiu o Plano Cruzado, durante algum tempo fui considerado o jornalista que mais apoiou o plano, a ponto do braço direito de José Sarney, Saulo Ramos, ligar para casa para me agradecer em nome do presidente. Dona Tereza ficou extremamente preocupada.

Meses depois, quando denunciei jogadas de Saulo e fui alvo de uma perseguição ampla, com escuta em casa e afastamento da Folha, tendo que me garantir apenas na TV Gazeta, dona Tereza reagiu com orgulho.

Foi uma grande mulher, como são as grandes mulheres brasileiras. E é em seu nome, e das mães brasileiras, que firmamos cada vez mais o compromisso: não passarão! O ódio, a destruição do país, a militarização obscena não vencerão. O país voltará a ser aquele sonhado por dona Tereza, por seus filhos, netos, pela verdadeira família brasileira.

Luis Nassif

13 Comentários

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  1. Lindo texto. Deve ter ssido uma mulhewr e tanto. Mas fez, pelas suas palavras, sempre o certo. Então palmas para ela que elaa merece. E Paz para nos todos..

  2. Q DESTREZA DA DONA TEREZA CRIOU O SEU FILHO PARA ENFRENTAR TODA A ASPEREZA NESSA GUERRA Q PRECISA DE MUITA REZA E QUEM SE PREZA FOGE À REGRA DOS MAUS !

  3. O problema Nassif, é o tempo.
    Já estamos com mais de 70, e mesmos tendo muita paciencia com os asnos ao redor, não sei por quanto tempo vou tolerar tanta asneira!

  4. Este texto Nassif acalenta-nos a alma bem como nossos corações. Abração a vocês , bravos lutadores por um Brasil justo, musical e feliz.

  5. Excelente texto, nos fortalece e da esperanças de um país melhor! D Tereza encantou-me, pela força e mostrando o poder da educação.

  6. Meu caro Nassif. Obrigado por esta crônica que valoriza a Mulher. Com certeza,onde estiver.Dona tereza torce por um Brrasil melhor com mais Nassifs a lutar. Obrigado.

  7. Depoimento maravilhoso.. O que a gente aprende com a mãe, não se esquece… entranha e não sai nunca… Grandes valores os ensinamentos de Dona Teresa…

  8. Emocionante. Parabéns, Nassif, por sua origem, por seus valores, por sua família. Somos mais ou menos conterrâneos, uma vez que sou de Machado. Meu pai era de Poços. De alguma forma, partilhamos os mesmos ideais e as mesmas ideias. Esse orgulho que sua mãe sentia pelo Brasil é semelhante ao que senti, quando Lula foi presidente. Que alegria nos deu, que satisfação. Um grande abraço para você e sua família.

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