Crônica

Memória emotiva I, por Izaías Almada

Memória emotiva I  (*)

por Izaías Almada

O meu porquinho da índia
foi a minha primeira namorada”…
Manuel Bandeira

            Deixai-me dizer-vos: o meu nome é Natanael… Natanael Josué dos Santos. Rogo-vos para que tomeis atenção ao que aqui vai narrado, pois só assim reponho a verdade dos fatos e faço justiça a quem, na minha adolescência, foi merecedora daquele que é talvez o nosso mais puro e intenso ator de amor: o primeiro.

            Nasci no início dos anos 40 na então pequena cidade de Belo Horizonte, altura em que a Alemanha mantinha o nada invejável protagonismo da Segunda Guerra Mundial.

            Como vedes, o meu nome é todo ele bíblico e foi escolhido por meus pais pelo particular motivo de prestar uma homenagem ao pastor protestante que me batizou, um pastor de denominação metodista.

            Para aqueles de vós que não tivestes a oportunidade de conhecer o meu pai, separo algumas palavras para salientar que ele passou parte de sua longeva existência obcecado e dedicado à sua religião, entregue aos princípios e fundamentos de uma vida religiosa quase que integral.

            Quanto a isso, costumava dizer na sua simplicidade de homem rude e trabalhador, que entregou o coração a Jesus Cristo, o Salvador, e que desde o dia em que tal fato se deu, ele ainda um jovem com menos de trinta anos, passou a se sentir feliz. Um homem, pois, segundo as suas próprias palavras, “feliz… e temente a Deus”. Constituiu-se também num fiel pagador dos dízimos mensais à sua igreja.

            O principal responsável por toda essa felicidade e pela conversão religiosa do meu pai, que até então se comportara como um católico não muito devoto, tinha sido o pastor metodista Jonas Josué Natanael.

            Pessoa de discurso fácil e inflamado nas suas preces dominicais, o reverendo Jonas Natanael exerceu inegável fascínio sobre meu pai com os seus sermões. E indiscutível influência religiosa, quer na maneira de agir, quer na maneira de pensar. Essa admiração foi tornada pública com a escolha do nome para o filho primogênito e, quis o Senhor, único. O nome de um pastor de almas que escondia o desejo nada discreto de que também me tornasse um pastor.

            Ficais assim a conhecer, nesse meu breve relato, a origem de tão prosaico nome, cujas raízes religiosas pouco teriam, a ver comigo ou com a vida que eu iria levar pelos anos afora. Uma prova disso vos darei, com certeza, ao narrar-vos a pequenina e invulgar história da minha primeira aventura amorosa.

            Contudo, agora que já sabeis a origem do meu nome e antes de vos divertirdes com o particular episódio das minhas intimidades de menino, aquele que com merecida razão melhor expressaria a chegada da minha adolescente sexualidade, gostaria de contar com um pouco mais da vossa compreensão e paciência. Quero vos dizer mais algumas palavras sobre o meu velho e amado pai, de nome Arthur, bem como sobre alguns aspectos da educação que ele me deu.

___________________________________________

(*) – Conto do meu livro “Memórias Emotivas” / Ed; Mania de Livro.

                                                                       (CONTINUA)

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro. Nascido em BH, em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

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