Metodologia

Não sei quando, nem como foi o começo do que chamaria de: escrever assim como escrevo. E desse modo que sabemos essa não sou eu, senão uma apropriação que a palavra escrita tem feito do meu lugar no mundo. Dando-me um sentido e salvando. Salvando-me de outros perigos de viver exageradamente e esquecidamente – do tempo que andei passeada demais pela vida, usando-a como se fosse bala de borracha. Então, hoje esbanjo com a palavra, e pelas palavras, e também caduco através das mesmas, sou vida e sou velha tendo comigo o poder da escrita. Escrevendo deslembro as partes malfadadas do mundo, e vivo, como vivo! O dia pode até nascer à noite, e a chuva virar-se em minúsculos escorridos cristais. Ambas as coisas que não se pode apalpar, senão apenas admirar. Extasio-me, tanto. Porque escrever é criar, e não ter. Então escrever é fugitivo, é ter um punhado nas mãos, um bolinho que é mais dos outros do que de nós mesmos. E por isso não deu certo tentar ter a vida todinha para mim. Estou sendo obrigada por força maior. Claro, a palavra é infinitamente mais brava que eu. Estou tendo que dividir-me – eu, flamante de individualidade – e emprestar-me à insensatez. Pois escrever não é algo muito real, é uma mistura, é saber fazer feitiço com a realidade. Então entendi, comecei a escrever assim como escrevo agora, quando passei a render festas ao meu mundo, ao mesmo tempo em que, assim, entrego-me menos também ao outro mundo, que seria esse o mundo-maior onde estão todos. Mas sem pisá-lo, mirando bem cristalinamente apenas, e escrevendo. Ah! Tanto empenho apenas para ter o simples abandono da realidade do mundo, e vivê-la ao modo escrevedor? Como pode ser que dê tanto trabalho proteger-se dos anos de uma vida.
 

O Que Não é Feito Para Pedir

Caio em cotidianas constatações sobre a escrita. Escuto dizer e leio por aí que escrever é assim-e-assim, logo afirmo e constato: é assim mesmo. Mas somente é assim quando em estado puro, sem pretensões, porque escritos não foram feitos para sujeitar-se aos objetivos de outrem. Somos nós que nos rebaixamos aos seus pés e pisos. Vejo isso quando apartada de tudo sou pessoa muito próxima à palavra escrita, o que significa ando arrastando atrás de. Estou achegada àquilo que a escritura é quando começa a querer falar, sem antes saltar-se a pronunciar exatamente tudo. Porque a palavra segreda, porque os escritos foram feitos para aprender a se calar, criados atados esbanjados junto ao silêncio. Quem escreve executa o silêncio das palavras. Mas nem por isso a escrita angustia-se, ou se desalenta, pois sabe bastar-se nisso que é, nisso que apenas escreve. Célebre! Sem nada mais angariar, despede-se constantemente, humilde, com um copo de cristal nas mãos: quando há água, há água, e quando não há espera-se que o mundo compreenda o que é ter sede.

Redação

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