Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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Minhas aventuras no teatro (IX), por Izaías Almada

E eu soube que a atriz e empresária teatral Ruth Escobar estava procurando atores para fazer uma temporada de “O Cemitério de Automóveis” em Portugal.

Minhas aventuras no teatro (IX)

por Izaías Almada

O musical “O Homem de La Mancha”, após a temporada em São Paulo, inaugurou no Rio de Janeiro o teatro Manchete no início do ano de 1973. O ator Grande Otelo substituiu Dante Rui no papel de Sancho Pança. O sucesso no Rio de Janeiro foi enorme e a peça fez carreira até o primeiro semestre de 1974.

No quarto mês de apresentações no Teatro Manchete soube que a atriz e empresária teatral Ruth Escobar estava procurando atores para fazer uma temporada de “O Cemitério de Automóveis” em Portugal.

A montagem dessa peça feita em São Paulo, dirigida pelo argentino Victor Garcia, que viria a dirigir também “O Balcão” de Jean Genet, constituiu-se num selo de qualidade do teatro brasileiro naqueles anos e Ruth, portuguesa de nascimento, quis voltar à sua terra natal e mostrar aos seus conterrâneos aquele que talvez tenha sido o grande marco da sua carreira.

Após conversar com os produtores do musical voltei a São Paulo numa segunda-feira para entrevistar-me com Ruth Escobar e Victor Garcia, assegurando-lhes que, se por acaso fosse um dos atores escolhidos, eu seria substituído a tempo de viajar, pois a peça seria ensaiada em Lisboa.

E assim foi feito. Antes de viajar fui, involuntariamente, testemunha de um telefonema surrealista. Durante nossa conversa, quando Ruth e eu estávamos de acordo com as condições do trabalho e o cronograma de sua realização, disse-lhe que eu não tinha passaporte, pois seria a minha primeira viagem para fora do Brasil e, ainda vivendo sob um regime autoritário, esperava que não houvesse qualquer empecilho por motivos da minha prisão por motivos políticos.

Ruth pegou o telefone que estava à sua frente e disse “vamos resolver isso já”! Discou para um número que sabia de cor e quando atenderam ela foi efusiva: Celsinho, meu querido, como está você?…

Ótimo… Vou precisar de um grande favor da sua parte… É o seguinte.

Em poucas palavras explicou o motivo do telefonema e disse que precisava tirar o passaporte para um dos atores que tinha sido preso em 1969, mas libertado em 1971, sem qualquer tipo de condenação… Ela ficou ouvindo em silêncio por alguns segundos e depois fez o sinal de positivo com o polegar da mão direita.

Celsinho era, nada mais, nada menos, o delegado Celso Telles do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) que comandou a minha prisão em março de 1969.

Chegamos a Lisboa no mês de junho, aonde para além do encantamento com a minha primeira viagem internacional, ia colhendo todas as surpresas com imensa alegria como, por exemplo, acostumar-me com o horário de verão no hemisfério norte, com o sol se pondo às 21hs.

O grupo foi alojado numa bela casa em Cascais, a meia hora do centro de Lisboa, pois Ruth acertara a construção de um circo num terreno para a apresentação da peça. Podíamos ir para os ensaios a pé, o que eu, pelo menos, fazia todos os dias. Salvo erro de memória, o circo podia receber de 150 a 200 espectadores.

Lá estávamos Carlos Augusto Strasser, Cláudio Mamberti, Seme Luft, Auristela Leão, Luiz Serra, Renato Dobal, Neide Duque, Ruth Escobar e eu prontos para enfrentar o desafio.

Ruth e Victor Garcia ficaram numa casa nos arredores de Lisboa, local dos primeiros ensaios, enquanto o circo acabava de ser montado.

A uma semana da estreia recebemos, incrédulos, a notícia de que o espetáculo estaria ou estava censurado, pois é bom lembrar que o salazarismo só seria derrubado no ano seguinte com a já famosa Revolução dos Cravos em 25 de abril de 1974.

E Fernando Arrabal não era palatável para o fascismo português.

Ruth reuniu o elenco e explicou o que se passava junto ao Ministério da Cultura e tranquilizou-nos a todos:

– Não se preocupem. Eu vou resolver a questão…

E resolveu. Assim era a atriz e empresária Ruth Escobar.

(CONTINUA)

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

2 Comentários

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  1. incrivel…nem participei de nada,mas extranhamente,me sinto revivido em cada aventura sua….obrigado….abraços Luiz

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