Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Namorinho de portão, por Rui Daher

Bichon Havanês

O Brasil acordou para o passado e acelerou uma intentona. Multiplicou 1935 por menos um e o resultado deu 1964

Por Rui Daher

Abril 2016. O outono começou ensolarado e seco, como nunca em 137 anos. O Brasil acordou para o passado e acelerou uma intentona. Multiplicou 1935 por menos um e o resultado deu 1964. Desde o início de 2003, a equação estava para ser resolvida. Agora foi. Fascistas deverão destituir do cargo a presidente da República, mulher que fez história na luta contra a ditadura, conduta ilibada, sem crime de responsabilidade no cargo, eleita por voto popular. Nada se respeita. Querem porque querem, e quando assim é o acordo secular de elites sempre se impõe. Não se importa nem mesmo com os espanto e escárnio mundiais, a quem tanto lambe as botas.

Numa rua que sai do Largo da Concórdia, João e Maria conversam na porta da pensão onde moram. Deixaram a aula sobre Shakespeare, na Escola de Teatro Vida e Morte Severina, e aproveitam para trocar as últimas carícias. Ainda castas, antes de ensoparem o colchão listrado de seu quarto.

– Pode ser mera coincidência ou desconsideração da mídia entretida com o golpe, mas faz tempo que nada se divulga sobre ataques de cães da raça Pit Bull a desavisados passantes.

– Repressão?

– Não creio. Vivemos num país de livre escolha. Paulo Skaf escolheu para a FIESP um pato amarelo.

– Pois é. Gente louca. Soube de cobras, jacarés e escorpiões sendo criados em ambiente doméstico.

– Sujeito em bairro nobre de São Paulo mantém um jumento pastando no gramado de casa.

– Certeza isso tudo não ser em Brasília, membro da bancada da bala?

– Voltando aos Pit Bull, sinto falta deles nas ruas, focinheiras apertadas, correntes curtas. Distantes, nos passavam sensação de segurança, como fôssemos os melhores amigos do Jair.

– Íntimo você, não?

– Diante de ameaça, bandido ou comunista, bastava um assobio para eles reconhecerem quem estava do lado do bem. Muitos até se mostravam sorridentes.

– Nunca botei reparo. Falavam muito mal deles. Tantas desgraças, crianças degoladas. Acho que por isso foram sumindo.

– Será? Não tenho tanta certeza.

– Por que você não sugere ao IBGE um recenseamento?

– E quem corajoso para entrar numa casa e perguntar se o Pit Bull está?

– Com o desemprego “da Dilma” você pode encontrar gente disposta.

– Liguei para a associação de criadores. Ninguém atendeu.

– Nem mesmo uma secretária, faxineira, contínuo?

– Nada.

– Podem ter sido devorados.

– Maria, tenho o endereço. Topa ir lá comigo?

– Eu hein? Convida o Jair.

Agosto, 2021. “Um dos piores invernos do século. Falta uma explicação de Dilma”, anuncia a Folha de São Paulo sem notar que Dilma já não governa há cinco anos.

– Amor, não sei se deveríamos ter casado.

– Agora, João, cinco anos depois, um filho para nascer, e você vem me dizer isso? Louco ou arrumou uma amante “bela, recatada e do lar”?

– É que me lembrei da conversa que tivemos sobre o sumiço dos Pit Bull.

– Não acredito. Já reconheci sua razão, mas o que poderíamos ter feito?

– Sei lá, denunciado a extensão do complô.

– Para quem? Nós mesmos e nossos amigos de esquerda no Facebook?

– É mesmo. Na época, ninguém acreditaria na “Conexão Pit Bull”?

– Então sossega, meu bem.

– Jeito e maneira, não! Passei numa banca e lá estava estampado o editorial de hoje da Folha de São Paulo: “A lição de casa sendo feita, taxa Selic a 122,75%”.

– Não vai me dizer que a versão impressa ainda é publicada.

– Apenas para os 32 assinantes que ameaçaram processar o jornal. Alegaram estar até hoje com o rabo preso.

– Vixe! Os Frias devem ter ficado putos. O que fizeram?

– Publicaram um “Erramos” meia boca. Não me conformo com a sua passividade. Por que não botar a boca no trombone? O Temer e o Cunha já fizeram delação premiada para o Bonner. Até o Sérgio Moro se enrolou.

– Por quê? O William ainda está bonitão. Pena a Fátima ter-se esbagaçado. Formavam um belo casal. Moro, por quê?

– A ideia de colocar 537 Pit Bull vigiando cada parlamentar foi dele e do Gilmar. Sabiam que assim garantiriam a aprovação. Daí o sumiço.

– Muitos não se intimidaram. Somente 342.

– Ainda temos gente de valor no País. Outros responderam que pato amarelo com curry é insuportável.de

– Má culinária. Laranja iria melhor.

– Ultrapassado, Maria. Como coquetel de camarões.   

Chega o inverno e João, inconformado, decide agir. Convence Maria a segui-lo e montam uma empresa de importação de cães. Escolheram a raça Bichon Havanês, criada em Cuba, mas com cruzamentos também em Miami, nos EUA: maltês, frisé, löwchen, coton de tuléar, bolonhês.

Como Eduardo Cunha, logo que assumiu a presidência após a morte até hoje não elucidada de Michel Temer, determinou o corte das relações comerciais Brasil-Cuba e fez crescer a corrupção (Moro ganhou uma empreiteira), João e Maria importam o Bichon Havanês e põe na papelada nomes trocados. Esperam assim restabelecer a democracia no Brasil. Afinal, Fulgêncio não parecia mais forte do que os irmãos Castro, Che e Cienfuegos? Pois é.

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

10 Comentários

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  1. Gal Costa – Namorinho De Portão

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=qjHK1mDva5E%5D
              
    Namorinho de portão
    Biscoito, café
    Meu primo e o meu irmão
    Conheço esta onda
    Vou saltar da canoa
    Já vi, ja sei
    Que a maré não é boa
    É filme censurado
    E o quarteirão
    Não vai ter outra distração
    Eu aguento calado,
    Sapato, chapéu
    O seu papo furado,
    Paris, lua-de-mel
    A vovó no tricô,
    Chacrinha, novela
    O blusão do vovô,
    Aquele tempo bom que já passou
    E onde é de se ir foi
    Bom rapaz, direitinho
    Desse jeito não tem mais (bis)
    O papai com cuidado
    Já quer saber
    Sobre o meu ordenado
    Já pensa no futuro
    E eu que ando tão duro
    Não dou pra trás
    Entro de dólar e tudo
    Pra ele o mundo anda muito mal
    Lá vem conselho coisa e tal
    Bom rapaz direitinho
    Desse jeito não tem mais

  2. Sinceramente querem eleições

    Sinceramente querem eleições já, além de continuar a ser golpe, quem confia atualmente no tse (minisculas mesmo) e seu presidente? Quem garante que as eleições serão limpas? Ou será que a ultima apuração exdruxula que tivemos com meia duzia escondidos numa sala com o país de refem no qual o candidato da oposição comemorou a vitoria junto com o narigudo já foi esquecida? Não confio no tse e nem nas proximas eleições, só sendo muito tonto.

  3. Calligaris e o fascismo

    A VERGONHA E O TERROR

    Contardo Calligaris

    Em 1992, na votação do impeachment de Collor, suspendi o consultório e me instalei na frente da televisão. Na minha lembrança, os pronunciamentos dos deputados de 1992 não foram muito melhores dos de domingo passado, mas dava para tolerar tudo porque o espírito era diferente: havia no ar um gosto de liberdade conquistada. Hoje, penso assim: caso uma votação desse tipo volte a acontecer, peço encarecidamente que o regulamento da Câmera exija o voto sem pronunciamento: o deputado leu o relatório da Comissão Especial de impeachment, formou sua opinião e anuncia: “voto sim” ou “voto não”.

    Pronto. Desta vez, só se salvou da depressão quem passou a tarde nas concentrações: exultaram ou choraram, mas pela boa razão que ganharam ou perderam. Para os que encararam o espetáculo da votação na televisão, sobrou uma depressão que ainda dura, tanto nos que perderam quanto nos que eram a favor do sim. É uma sensação de desamparo absoluto: duvidando de quem nos governa, recorremos a quem nos representa. E, diante da tela de TV, surgiu a pergunta: são estes, então, que nos representam? O UOL fez a conta: dos 367 sim, apenas 16 falaram dos crimes que o voto deles queria castigar. O resto invocou sua família, seu quintal eleitoral, a netinha que fazia aniversário, os filhos dormindo, o velho pai, deus, deus de novo (outro ou o mesmo, tanto faz), posicionou-se contra a proposta de que crianças troquem de sexo, pelos moradores de rua ou por você mamãe. Em sua grandíssima maioria, os representantes invocavam seus afetos familiares e sua escolha religiosa na hora de cumprir seu dever republicano.

    Essa confusão do privado com o público é a própria praga que alimenta a corrupção: a vida pública é parasitada por afetos privados que nem precisam ser escusos porque, “afinal”, a família é o que mais importa aos “homens de bem”. Não é? Tudo isso era triste. E chegou a vez do deputado Jair Bolsonaro, que disse: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Ustra foi chefe do DOI-CODI de 1970 a 1974. Agitando o espantalho de um sociopata torturador, Bolsonaro quis apavorar Dilma Rousseff, a torturada que resistiu à tortura. Bolsonaro se confundiu. O grito do torturado já vale mais do que a palavra e o ato de qualquer torturador. E o silêncio do torturado é a vitória final sobre o torturador. Ustra não ó o pavor de Dilma. Dilma é o pavor de Ustra.

    Bolsonaro deve ter pensado que um bom número de deputados achariam graça. A única reação será a de Jean Wyllys? Noemi Jaffe tuitou: Bolsonaro homenagear Ustra é como um neonazista homenagear Mengele, que torturou minha mãe. No domingo, consternado pela explosão de afetos privados dos deputados, eu era indeciso entre a decepção com os anos de PT e a perplexidade diante do que seria, como disse o ministro Barroso, a “alternativa”. Não mudou nada. Mas sei reconhecer o fascismo quando ele tenta falar alto.

    E essa é uma feiura contra a qual, desde pequeno, aprendi que é preciso resistir. Em 1947, Albert Kesselring, comandante das forças nazistas de ocupação na Itália, foi condenado à morte por crimes de guerra. A sentença foi transformada em prisão perpétua.

    Em 1952, Kesselring, doente, saiu da prisão. Foi celebrado como herói pelos neonazistas e declarou que ele tinha sido tão bom com os italianos que eles deveriam lhe erigir um monumento. Piero Calamandrei, resistente, jurista, escritor, um dos fundadores do Partido de Ação (não comunista), escreveu um poema, que dedico agora a Bolsonaro: “Você o terá, camarada Kesselring, / o monumento que você pede de nós, italianos. / Mas com qual material será construído, / isso a gente decidirá. / Não será com as pedras chamuscadas / das aldeias que foram supliciadas por teus exterminadores. / Não será com a terra dos cemitérios / onde nossos jovens companheiros / descansam serenos. / Não será com a neve inviolada das montanhas / que durante dois invernos te desafiaram. / Não será com a primavera destes vales / que te viram fugir. / Mas será com o silêncio dos torturados, / mais duro que qualquer pedregulho; / será com a rocha deste pacto / jurado entre homens livres / que voluntários se reuniram, / por dignidade e não por ódio, / decididos a redimir a vergonha e o terror do mundo.”

    1. Alex,

      ótimo o texto do Contardo, que infelizmente deixei de acompanhar depois que cancelei minha assinatura da Folha. Obrigado por proporcionar-me a leitura. Abraços.

    1. Alberto,

      obrigado e infelizmente é isso mesmo que estamos mais uma vez passando. Politicamente e socialmente, continuamos uma nação muito pobre.

  4. Anuncio de agência de

    Anuncio de agência de casamento: bela , recatada e dólar procura bom rapaz , direitinho… KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

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