Naturalidade dos Tempos

Na sua totalidade, não sei por que escrevo e busco a escrita, além da óbvia conversa que jamais tenho com outrem, e a tenho arfante com as palavras. Palavras que às vezes tardam a sair do escuro da minha mente, ou também as adio até sentir ser aquele o momento de sua aparição. E ficamos assim, esperando vir o ato claro. E por momentos, tenho comigo a impressão que nunca chegará o tempo certo de certas palavras. Como estas que tentarei exprimir e que há tempos vagueiam-me zombeteiras. Estas palavras são o entendimento de um medo, o medo que descobri vindo de uma mãe. Medo que claramente não está em mim, e apenas por ter tal claridade prossigo o relato. Mas esse medo não é meu, simplesmente porque ainda nunca fui mãe – dizem que o fato de ser mãe atribui-lhes muitos medos, então as glórias parecem ter seus porquês. E de repente, escrever esse medo passou a ser agora menor tarefa. A escrita sempre provoca um desenlace. Sim. Porque o mais sacrificador foi sentir a igualdade entre duas pessoas que não têm razões para sentirem-se iguais. Como ver a balança compensada diante das coisas vividas-pesantes entre mãe e filha, e a filha que deseja ser sempre filha-menor não pode ver coisas grandes demais, assim ela pensa ter responsabilidades como as de uma mãe, e esse aleitamento ao contrário é um tranco no peito de quem ainda não deu seu alimento a outro. Sente-se um injusto modo de ganhar coisas por demais grandiosas, pesando equilibrada na balança. E não há razão que explique a injustiça quando esta se apodera ingenuamente das coisas. E no ingênuo está a sua naturalidade. Uma falta de justiça natural da vida, que tantas vezes é injusta sem ter que por isso explicar-se, sendo feia com louvor, sendo injusta trazendo consigo a proporção do crescimento, mesmo a custos altos, tendo esse direito simplesmente por ser imaterial e abstrata. Por ser assim a vida como é. Uma injustiça quase cordial e dura ao mesmo tempo, empurrando duas pessoas a crescerem a partir de suas igualdades, a partir da mudança na relação de cuidado uma com a outra, tirando de uma e passando à outra. Porque o tempo faz a farta andança de um virar seu próprio sossego, e isso, a peleja do outro.

Assim:

No mar recolhi algumas algas e plantas e trocinhos verdes, que boiavam naquele imenso salgado, e os levei até minha mãe para que ela visse como são os habitantes do mar, deste mar e destas águas desnorteadas que a fazem sentir o que é o medo. E assim eu quis cuidar do seu medo, sem querer derrotá-lo ou afrontá-lo, porque é dela o medo do mar, e ainda um medo bonito, por tão ilusório e irreal que é. Pois quem esse medo o possui supõe saber das amplitudes do mar – medo contraditório e mentiroso como todo medo, pois ao mar devolvemos é a curiosidade nascida justamente da razão. Então, mesmo descabido, o medo do mar é um medo buscador e profundo, e minha mãe-profunda sente conhecer a mansa e bravia vastidão dessas águas. Águas essas que são infinitas. Ah! Então agora entendo porque quis guardar seu medo sem tocá-lo: para ter e preservar no infinito as coisas de uma mãe.

Redação

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