O ápice da justiça da escrita, por Eliseu Raphael Venturi

A justiça da escrita será sempre este além de qualquer noção tosca de justiça que se possa ter

Oliviero Gatti. Six Eyes, 1619.

O ápice da justiça da escrita

por Eliseu Raphael Venturi*

Talvez o ápice da justiça da escrita resida no exato instante em que a ela todo o possível, o relevante, todo o acessível está disponível; o inconsciente não é latência, nem espreita, nem algo filtrado pela sobrevivência, o inconsciente é mais uma invenção em meio a outras milhares de invenções para explicar outras milhares de máquinas não maquinadas, e só a escrita permite este tipo de heresia primordial.

É esta disponibilidade singular que é a justiça da escrita absoluta. É a escrita que ri de todas as autorizações e que ri ainda mais de todas as interdições do pensar, do agir, do escrever. Tudo aquilo que se proibiu se perdeu. Tudo aquilo que se estimulou, se perdeu. Tudo aquilo que se ensinou e o que não se aprendeu, se perderam na justiça da escrita.

Então toda dor, toda amargura, todo arrependimento, todo êxito, todo sucesso, toda dissimilação, todos os conteúdos estão na ponta da linha da escrita, que não é abstração entre dois pontos quaisquer nem trajetória teleológica no espaço, mas sim e unicamente justiça da escrita, que permite a entrada em todas as vivências, o escrutínio, o virar do avesso, o lançar ao mais absoluto nada do esquecimento, ao recolher os fragmentos e remontar os cenários como só a memória biológica é capaz de organizar em sua maquinação única.

O ápice da justiça da escrita é a emergência do todo único composto pelas acumulações, estratificações, degradações, declinações, de todo aquilo que se acumula no corpo enquanto registro, enquanto bombas de explosão interior por meio de novas reconfigurações semânticas. É exatamente o que escapa a qualquer ciência do corpo, da subjetividade, da linguagem, da normatividade, é exatamente o que escapa às filosofias que mais se aproximam daquilo que é só estético, ou nem isso.

Fugidio como aroma de lima da pérsia, fresco como vermelhos aos olhos juvenis, presente independentemente da idade e do grau de apuração dos sentidos, a justiça da escrita será sempre este além de qualquer noção tosca de justiça que se possa ter, um tribunal derradeiro de qualquer micropartícula que qualquer estímulo possa lhe lançar em um minuto de distração, por aquele ângulo de luz, aquela qualidade de som, aquele aroma específico, um paladar peculiar, um tato macio, um ambiente de luz baixa ou o sol escaldante; tudo e qualquer coisa é pretexto para o texto justo.

*Eliseu Raphael Venturi é radicado em Curitiba-PR.

Redação

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