O monólogo do vírus, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Vocês humanos estão vivos e inventam vários pretextos para amar ou para matar outras pessoas. Eu também estou mais ou menos vivo, e para perpetuar minha quase existência alguns de vocês devem cessar de existir.

O monólogo do vírus

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Com licença, mas preciso apresentar a mim mesmo. Eu não tenho um nome, pois a linguagem humana não significa nada para mim, por isso usarei o nome que os humanos me deram. Vocês podem me chamar de COVID-19.

Eu sou um vírus. Isso não significa que eu sou mal. De fato, eu também sou capaz de matar pessoas malvadas, muito embora sempre existam pessoas que acreditem que aquelas pessoas eram boas. A humanidade é cheia de ambiguidades, eu também.

Vocês humanos estão vivos e inventam vários pretextos para amar ou para matar outras pessoas. Eu também estou mais ou menos vivo, e para perpetuar minha quase existência alguns de vocês devem cessar de existir. Os sentimentos humanos são difíceis de compreender, um vírus não precisa nem deles.

É difícil para um vírus compreender por que os homens matam uns aos outros. Um vírus não precisa de pretextos para matar quem quer que seja. Isso é uma consequência de sua reprodução, exceto quando os homens inventam vacinas. Infelizmente para a humanidade não existem vacinas que eliminem os assassinatos de homens por outros homens.

Pobreza, discriminação, racismo, segregação social, migração forçada… os vírus não conhecem nada sobre isso. Mas eles conhecem tudo sobre a guerra. A existência da humanidade não depende necessariamente da guerra, assim dizem alguns de vocês. A existência de um vírus é a guerra permanente contra os sistemas de defesa criados pelo organismo humano.

Todas as vidas são preciosas disseram Buda e Jesus. Exceto as vidas dos vírus… os sistemas imunológicos deles completaram enquanto eles estavam vivos. Vocês entendem a contradição? Na escala em que nós os vírus existimos mesmo o mais pacífico dos homens é capaz de matar de maneira impiedosa. E ele faz isso sem sequer ter consciência de que está privando uma vida.

O que pode fazer um vírus? Ele somente pode fazer o que faz. O que pode o homem ser? Ele é inclusive aquilo que ele nega poder ser. Só existe uma maneira de humanos e vírus viverem em paz. Cada qual deve existir no seu próprio mundo. O que significa dizer que o mundo dos homens deve preservar o ambiente dos vírus intacto.

Mas vocês, homens espertos e gananciosos, estão sempre invadindo aquilo que não pertence a humanidade. E nós vírus somos sempre impelidos a nos reproduzir nos corpos humanos rebaixando a população. Imperialismo e paz são duas coisas que se excluem mutuamente em qualquer escala. Especialmente na escala dos vírus, pois a nossa guerra para se reproduzir floresce na guerra que vocês declaram à Natureza e aos outros homens. Podem vocês entender isso? É claro que sim, mas…

Sim, vocês sempre imaginam que podem inventar vacinas. Vocês ensinam seus sistemas imunológicos a serem mais letais. Mas isso não significa uma diminuição da letalidade entre os seres humanos, muito pelo contrário. Vocês percebem essa outra ironia? Quanto mais vocês destroem os vírus, mais vocês se sentirão inclinados a destruir uns aos outros.

Num mundo ideal em que todos os vírus tenham sido mortos por vacinas, não existirão doenças e a humanidade irá florescer. Exceto se esse florescimento significar a superpopulação dos países, a migração forçada e o desabastecimento de alimentos, pois nesse caso vocês farão aquilo que os vírus fazem. E vocês farão isso com uma eficiência invejável usando armas que nenhum vírus jamais foi capaz de inventar.

Vocês percebem a outra ironia? Não pode existir equilíbrio sem a ação dos vírus assim como não existirá humanidade sem vacina. Não seria melhor os homens evitarem o contato com os vírus? Não, isso é impossível. Um vírus não tem emoções e não precisa do contato para se reproduzir.

As emoções humanas são as armadilhas que a Natureza criou para forçar os homens a se reproduzir. Os vírus apenas utilizam isso em seu próprio benefício. Os fabricantes de medicamentos para ansiedade e depressão fazem o mesmo, mas eles não pagam royalties para os vírus. Essa é uma terceira ironia eu suponho. Os capitalistas exploram as fraquezas naturais dos seres humanos e obtém lucro por causa dos vírus, mas os vírus não estão nenhum pouco preocupados com os resultados econômicos de seu trabalho em benefício da economia.

Os economistas dizem que a propriedade é fruto do trabalho. Eles estão obviamente enganados. O trabalho do vírus resulta em propriedade, mas os próprios vírus não tiram nenhum proveito dela. Eles são escravos inconscientes dos fabricantes de medicamentos. Exceto quando um ser humano entra em contato com outro ser humano e leva o vírus para casa. Nesse caso, a casa do homem se torna imediatamente uma coisa à disposição do vírus. Não cometam nenhum engano… os vírus também entram nas casas e nas fábricas dos fabricantes de medicamentos.

Ao contrário do que os homens imaginam, não existem semelhanças entre nós, os verdadeiros vírus, e os vírus de computador. Não podem vocês ver isso? Os vírus de computador não têm a capacidade de se adaptar a vários tipos de hospedeiros. Os vírus de computador só existem dentro de computadores.

Entretanto, os homens podem usar os computadores para dizer coisas idiotas, como por exemplo: a pandemia não existe, o vírus é inofensivo, a manada precisa adquirir imunidade, o uso de máscara é desnecessário, as vacinas são prejudiciais, o contato humano não deve ser evitado, a economia é mais importante do que qualquer outra coisa, o governo não tem o direito de impor restrições à circulação de pessoas, etc…

Nesse caso a comunicação humana funciona exatamente como um vírus, pois ela engana as vítimas preparando-as para a fatalidade da virótica (essa palavra é bonita, eu sempre quis usar ela) transmissão. Nós, os verdadeiros vírus, somos muito agradecidos às pessoas que espalham Fake News. Elas são nossas principais armas numa guerra de comunicação para a qual nós não temos qualquer habilidade particular.

Os matemáticos produzem modelos de propagação do vírus, mas eles não são imunes aos efeitos da doença. Os médicos combatem o vírus, mas eles estão mais expostos ao contágio. Quando os humanos entram em guerra a matemática e a medicina também são transformadas em armas de destruição de vidas humanas. Felizmente os vírus não são capazes de aprender e de desenvolver essas duas ciências. Se fossem cientistas os vírus já teriam extinto a humanidade. Vocês notaram uma nova ironia? Deixem para lá.

Os religiosos fanáticos acreditam que Deus irá destruir a pandemia. Eles reúnem seus fieis para cultos em igrejas cheias de pessoas. E nós aproveitamos a fé deles para enviar milhares de crédulos para os cemitérios. Amém. As religiões serem muito irracionais é muito ruim para a humanidade. Para os vírus isso é excelente. Amém.

Eu estou ficando cansado desse monólogo. Na verdade, eu preciso imediatamente arrumar uma maneira de me deslocar desta mão pegajosa que está começando a destruir a membrana que envolve meu código genético. Malditos muçulmanos, se vocês não tivessem inventado o sabão nós vírus estaríamos matando muito mais cristãos. Pode você cristão parar de lavar a mão com sabão infiel? Por favor.

PS: Devo registrar aqui que NENHUM boqueiro de urna quis se aproximar muito de mim no primeiro turno das eleições de 2020. O medo de contágio resultou em “distanciamento eleitoral”. Todo dinheiro que os partidos gastaram com boqueiros e santinhos foi jogado na lata do lixo, pois o maior vencedor dessa eleição fui eu, o vírus. Confesso que fiquei desapontado, pois imaginei que a disputa por eleitores indecisos seria uma excelente oportunidade para eu me propagar ainda mais no Brasil. A derrota da tradição política foi uma vitória da população. Merda.

Fábio de Oliveira Ribeiro

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador