Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O Mundo Num Labirinto-de-Sebes, por Maíra Vasconcelos

De repente, veio-me uma alucinação. Abatida está sobre mim: alucino, tenho certeza! E esse desvario não corresponde a nenhum personagem das minhas ficções, sou eu mesma experimentando uma sensação que estaria melhor, por óbvia racionalidade e realidade mundanas, na pele de qualquer personagem, e não em mim mesma. Acredito muito nisto agora! Tenho uma impressão estranha sobre o meu próprio quarto, por isso confirmo comigo em voz baixa: sim, estou em casa, de porta fechada a escrever, e pela janela vejo o céu azul. Mas isto, ainda assim, não retira de mim a certeza, alucino de olhos abertos e peito escancarado, às oito da manhã, desta segunda-feira. Minha alucinação: dou um abraço bem apertado no mundo, e ele passa então a ser apenas um mundo-bondoso! Mas como é difícil aceitar tamanha insensatez!, mesmo que seja assim tão boa. Estou tão recolhida nesta crendice, que isso mais parece uma prece, e prece exige entregar-se com suplício. Estou aqui a tanto pedir, para poder abraçar o mundo, e tenho certeza de que terei algo em troca, por ser muito isso que tanto dou. O mundo resignar-se-ia através do meu abraço, sendo apenas mundo puro e bom! Esse é o meu delírio, e minha afirmação. Estou acometida por tamanha coragem arrebatadora, que vejo nesta ação fraterna a possibilidade de transformação das maldades e mazelas.

Tenho agora audácia suficiente para acreditar no meu abraço, que ele faria o mundo mudar de ideia e fixar-se apenas no bem das coisas. Sou de um atrevimento irritante para mim mesma. Porque não tenho mais que isto, um gênio endiabrado e a vontade de apenas estar a fazer o que é o mais bonito. Num lugar onde poderia sorrir mais, pois todos têm a intenção bem encaminhada. Neste momento acredito piamente em meu abraço forte! E não é fé o que tenho, acredito profundamente em meu poder de cura apenas por ser suficientemente arrogante para isto. Tenho mesmo muitos aspectos, todos eles trabalhados para serem utilizados bondosamente; não me foi dada a possibilidade do agir comum, desde menina sou obrigada a empenhar-me ao ato nobre. Por isso cheguei hoje a este ponto extremo de certeza em mim mesma, alço voz numa prece que é somente minha, estou rígida de tanta idealização, e iludida para afirmar que meu abraço é uma cura para o mundo. Ah! Necessito sair desta redoma aberrante. Estou agora num lugar de tempo-espaço estranhos – e meu quarto? Estou cercada por um modo fantasioso de acreditar nas coisas da vida cotidiana, e isso é tão custoso como também belo. Ser tomada pela irrealidade é como entrar num labirinto-de-sebes do qual não se sabe como sair ileso, porque a porta final é a realidade de todos com o mundo; e estou tão maravilhada neste caminho, que é simplesmente cheio de flores e verdes. Então, mesmo que o fim seja a desilusão, pondero agora esta minha querida alucinação e espero sair deste labirinto apenas com uma pétala nas mãos. Quero muito poder levar um pedaço desta irrealidade bondosa comigo, um pouco deste instante arrastado de horas em que alucino. Mas se acontecer de eu terminar este dia, e despedir-me desta alucinação sem ao menos um pouco do seu lampejo – não terei nunca rosas em minhas mãos? – ao menos estou certa sobre a intenção deste recado alucinado. Descobri que meu querer é grandioso, quero sempre coisas muito formidáveis, e confio tanto em meus desejos que me enredo sempre. E sou tão labiríntica! Mas talvez para receber rosas seja necessário aceitar minha derrota frente à realidade do mundo. O labirinto assim termina, estou a abrir a última porta, e as flores destes caminhos também são nada mais que imaginárias.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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