O professor e o tempo, por Dario Neto

O professor aprendeu a devorar o tempo e se tornou o único capaz de derrotar a ignorância. Se você é inimigo do professor, você é inimigo da sociedade e inimigo da vida.

Enviado por Gilberto Cruvinel

O professor e o tempo

por Dario Neto

O professor é inimigo do tempo. Ambos dominam a arte do ensino. Contudo, o tempo, por ser o mais velho e o mais sábio, faz com que todo aprendizado se contextualize de forma tal que o aprendiz sequer perceba seu ensino. Quando se dá conta, tudo aconteceu e descobre, seja na dor ou na alegria, que uma lição do tempo lhe ficou. Não precisou passar horas sentado em algum lugar para aprender, nem foi preciso lições de casa ou leituras obrigatórias, precisou apenas do tempo. O aprendiz já não é agora o que era no passado. Mudou. O tempo passou e ficou o aprendizado.

Mas seu ensino, o tempo cobra muito caro. Em troca do aprendizado, o tempo roubou o melhor da vida de seu pupilo. Não se repete a lição sem causar dores e perdas. Não se volta atrás. Após o aprendizado, lida-se com aquilo que o tempo deixar, com o que ficou. Por ser tão velho e tão sábio, o tempo não perdoa. Apenas arranca de quem ensina o seu eterno preço. Amigo da morte, o tempo é devorador da vida. É com pedaços das melhores parte da vida, que se paga a lição do tempo. E depois, o aprendiz olha para trás e pensa: “se soubesse disso antes, as coisas seriam diferentes”. É porque descobre que o tempo lhe tirou as melhores partes da vida, ele se cala num último de retomar na memória o que o tempo tirou. Mal sabe que a dor deixada pelo tempo, devora memórias.

Se o tempo é devorador de vidas, o professor é devorador do tempo. Contra este tempo galopante e cruel que nada perdoa é que um indivíduo se levantou entre a multidão e resolveu o enfrentar. Primeiro, propôs retardar o tempo. Para isso, tudo o que aprenderia com o tempo, gastando anos, ele resolveu condensar e aprender em dias, mas não bastou. Seu segundo movimento foi criar a técnica de professar. Batizado de didática, seu método consistiu em fazer com o outro aquilo que fez consigo mesmo. Nasce o ensino. Nasce todo um aparato com um único objetivo, desafiar o tempo.

Aqueles que viram este indivíduo se armar, enfrentar e triunfar sobre o tempo, resolveram segui-lo. Queriam aproveitar e preservar as melhores partes de suas vidas. Para isso, seria preciso subjugar o devorador de vidas. Contra a precipitação imposta pelo tempo, o professor ofereceu aos homens e mulheres a possibilidade da reflexão; contra a indiferença, ensinou a dedicação; contra o esquecimento, a memória; contra a morte, a arte de criar. Com isso, homens e mulheres, abandonando o isolamento criado pela lição do tempo, aprenderam a reaprender, aprenderam a se recomunicar, aprenderam que não é preciso viver no passado, mas que se pode viver o tempo presente. Para eles, o professor tornou-se o senhor do presente.

O que eles não sabiam é que o tempo, como desforra, acertou suas contas com o professor. Ninguém sai ileso de uma batalha. O professor sabia que para libertar seus irmãos, era preciso se sacrificar. Nessa batalha, ele ganhou o domínio sobre o tempo, mas precisou sacrificar seu próprio tempo. O senhor do presente, não tinha um presente para si. Mas pode sorrir ao saber que, ao preço de um auto-sacrifício, dominou o tempo e libertou o seus da tirania. E seus irmãos e irmãs reconheceram a grandeza do ato e o elevaram à posição de herói.

O professor aprendeu a devorar o tempo e se tornou o único capaz de derrotar a ignorância. Se você é inimigo do professor, você é inimigo da sociedade e inimigo da vida.

Dário Neto é Doutor em Literatura Brasileira pela USP com a tese “A pena do cronista: a presença das crônicas nos romances machadianos”, Professor Colaborador em Teoria Literária na UNESPAR (Universidade Estadual do Paraná) e autor do livro de contos “Candelabro”.

Redação

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