Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O Sol em Belo Horizonte, por Maíra Vasconcelos

Trisca ponta de sol refletida nas paredes deste quarto. Isto poderia ser poético, mas não é! Meu corpo relincha quando deseja escrever, e o que estou a fazer é montá-lo n´alguma parte do tempo-estrada que não é o da palavra. Que pergunta: qual é este quarto? Quarto onde permaneço de porta fechada, ele é novo e não é o mesmo, não somos ainda íntimos..estamos afastados e tão longe! Esta distância atinge a dose de ar e água de cada palavra a ser escrita.

Palavra que está à espera da junção: quarto-corpo-porta-aparições.

Também a lonjura frente a esta cidade que era minha!, até o dia em que a abandonei, assim de uma vez!,: de nariz em pé, saí sozinha sem risco e nenhum trilho. Fui trilhar ferro-a-ferro fora deste país. E agora que quero a esta cidade abraçar, sentindo-a estou tão fria e longe de mim! Olho esta Belo Horizonte, e o único que saberia dizer: sei das suas montanhas. Mas depois de todos esses anos, ainda quanto há de montanhas aqui?

Na memória guardei suas íngremes ruas!, mas a memória não vive junto com os fatos do corpo físico, a memória tem lugar no atrás das coisas, então fico aqui cansada diante de cada subida de avenida Contornada ou Penada.

Foi assim que o tempo caminhou: e ninguém avisa que esta visão do tempo-que-passou invade os olhos e os oprimem, até conseguir deles a redenção.Sim!, o tempo passou, e abobada contesto: ora, ora, estive apenas a escutar o soar de tantas orquestras e bandoneóns, girei a vida tão sublime hedonista!.e acabou um pedaço de tempo.

Ah!, se fosses minha, Belo Horizonte, ah! se fosses minha!, hoje a ti te abraçaria. Mas tenho um estado frio e pouco aconchegante frente a ti. Mesmo com este sol que agora entra em meu quarto, e a Serra que me deu a rua mais iluminada de toda esta cidade.!: rua Luz há de ser minha?! Mas isto, para que servirá?, se ainda não consigo aqui chegar, se meus pés não sentem o chão e dormidos ficam a cada pisada – vou arrancar deste chão uma pedrinha. Isto não é poesia! O sol bem o quis e tentou versar. Agora, o vento também sussurrou intentos de um verso, ao abrir esta janela antiga, deste quarto que ainda o estranho. Quantos quartos hei de ter nesta vida? Tantos já tive, não os posso contar.

O sol sempre brinda todo este edifício em Belo Horizonte!, todo pequeño e antigo. Como se ao morar aqui, eu tivesse escolhido a maior antiguidade que Belo Horizonte conseguiu reunir até hoje – cidade nova por nascimento!

Cheguei aqui tão renovada, que não estou a lembrar-me aquilo que fui – mas contente-se, já não és mais o que só no atrás permanecerá. As nossas partes se dissolvem pela estrada: ferro fundido no trilho, oh!, que forma de se perder os tempos! Se tudo que tenho comigo agora é tamanha novidade! De um quarto e uma cidade.! Se até a ti, Belo Horizonte, que fica tão perto das velhas minas, se até a ti, hoje, hei de chamar-te menina! Nova és tu, em Belo e em Horizonte! Antigo é este edifício e a minha janela que insistiu ser assim de madeira branca, como de décadas passadas.

Ela existe, esta nova moradia mineira e de café forte, onde ainda não pude recostar qualquer pálpebra, e fico a olhar as palavras sem tê-las,.
.dias submersos no desconhecido.
Estando em Belo Horizonte, tão confundida em: onde estou?, sem saber se esta Belo Horizonte ainda é minha, ou é minha ao menos de alguma forma que caiba neste bolso escorregadio por onde passa a criação. 

*
.e distante da vida nesta cidade que agora é outra, pergunto o que será da próxima palavra. se ela virá a explicar meu estado de letargia.
.e a palavra tão desconfiada deste quarto, deixa-me ávida pela criatividade que é meu pulso.
.todo quarto aonde venha repousar o corpo, este será grande cuidador do meu mundo. 

*
.neste ato antigo de escrever..quanto ainda viverei confundida entre tempos.?
busco o meu tempo, sentindo outro, e desejando parar-me em algum lado deste constante paralelismo.
.ainda não desencostou de mim este estado de recolhimento ao tronco de uma árvore.
!quantas árvores ainda buscarei!?.o tronco é um passeio a outro lado. 

*
.estarei matematicamente atenta para lograr ao menos a mínima falta de métrica das palavras, senão este escrito vira um nada.
.sempre é necessário ajuntar cada melodiosa nota para lograr a dança.
.das palavras em polvorosas. 

*
.por moléstia a este quarto, hoje não tenho a tal palavra criativa.
!virei a vida do avesso, virei tudo de novo!, passei tudo ao outro lado,
e estou agora desdobrando roupas que estavam dobradas.

Sou neste poderoso instante refém do relato desgrenhado, feito a mãos que não as posso definir: quais são.!.?. Elas mudam de voz para se adaptarem ao corpo que está.
Não se sabe quem-quens vestem e desvestem os dedos de cada palavra escrita – ah, o armário de madeira será sempre um objeto tão importante em minhas linhas.
Não peçam que eu coloque sempre nome àquele que vos escreve. Senão imitarei cinicamente, e direi que posso ser até trezentos, ou trezentas. .(.tenho autorização para usar a fórmula dos trezentos, mas não para hoje dizer seu nome.). 

*
Hoje escrevo em meio a tralhas. Isto não é o melhor a se fazer, !ai de mim e deste Eu!, se não me empino cegamente a obedecer. Para apenas ter: o tão sonhado bem-estar.

(alguém disse a palavra tango?
ah, esta memória puxa cada coisa,..!.,)

 Não sei o que fazer nesta manhã, quando minha escrita ficou arredia repentinamente, mas estas mãos copiosas continuam a fazer de mim aquilo que deve ser o necessário.

Estas mãos que não se enxergam fatigadas,
suas linhas são tão finas!,
em ossos fininhos,
seu jeito é minúsculo e eu nunca fiz qualquer esforço.
Minhas mãos medem a finura de uma veia verde plantada em qualquer esquina.
Desta cidade que hoje é Belo Horizonte!
Mas não encontro Belo, e nem o Horizonte!

Nesta cidade que aprendi a dizer que ela é minha! Porque todas as suas árvores sabem que tudo aqui, incluindo suas sombras galhosas, tudo é tão meu,!, quanto de todos que baixo este mesmo sol peneiramos os dias; mesmo que ele, o sol, não entre a triscar em todas as habitações – ou quartos de pensão, não!, pensão é coisa do passado.
Estas avenidas e parques e guarda-soleiros e bares, eles são todos meus, conservados nestas montanhas que hão de ser minhas. Essas montanhas nunca saíram de mim!, mas a cidade escapuliu num só corriqueiro abandono de insolente viajante.
E hoje, aviso, somente estou a escrever, por haver visto triscar um pedaço de sol neste quarto onde ainda não nos reconhecemos. E eis que apenas o sol pareceu ser o mesmo de sempre.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

5 Comentários

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  1. Sera um pouco disto?

    É pau, é pedra, é o fim do caminho
    É um resto de toco, é um pouco sozinho
    É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
    É um belo horizonte, é uma febre terçã

    São as águas de março fechando o verão
    É a promessa de vida no teu coração

     

    1. Almeida, trouxe o Sol de primavera. Ajuda?

      “Não sei o que fazer nesta manhã, quando minha escrita ficou arredia repentinamente, mas estas mãos copiosas continuam a fazer de mim aquilo que deve ser o necessário.”

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