Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O Teatro é Solar, por Maira Vasconcelos

(e se Eu! ando em cismas com o sol)

Porque o sol nunca sai de cima de nós. Sempre está às voltas, é fiel ao mundo o qual rodeia. A natureza, ao nascer-e-morrer constantemente, é a arte da fidelidade incondicional. Mesmo nos lugares onde o sol demora a chegar, passando seu passo mais vagaroso: ele chega!, chegará a parir seus raios sobre nós. Está assim a expelir, sempre!, e nem ao menos sabemos honrá-lo divinal como és tu: !oh, qué belo todo sol! Antepassados bebiam na beira dos rios, olhavam acima o céu aberto, e se perguntavam o que poderiam comer e colher – hoje o que fazemos com essa crendice?

Fatiados pelo urbano, aprendemos a passar todo tempo natural com o teatro. Dou-lhe horas a esta arte, transformadora como todas as outras. Arte! é o que temos de mais próximo ao natural-sol, já que não nos rendemos às bênçãos dos seus raios claros amarelos cheios de nós e desafios..a fazê-lo divino. Se mais ao sol olhássemos, seríamos mais animais…ah! De repente fiquei presa no mundo de galhos, enquanto deixava os pisos deste falso chão, fiz uma cortina em meio aos amarronzados ramos entrelaçados, virei atriz olhando o mundo daqui: de cima de uma enorme árvore! ai! ai!,..,que vida boa! Eu! rio e gargalho, também choro e decoro falas que não são as minhas. Mas, enfim!, as palavras ditas devem sempre ser aquelas que a plateia não deseja escutar.

O que?
Eis na tela um animal pintado bem pançudo, e quase de cabeça para baixo, está encostado na posição de, mas por que ele nunca irá parir? A escuridão pode inchar-inchar dentro de nós. Isso é um quadro de Miró, visto através dos olhos que roubei de um poeta. Eu e o poeta de Ouro Preto somos amigos afastados bem à longa distância, mas como nos estimamos!

*

O teatro dócil amansado é o pior que poderá haver!
Ele assim não existe, se compadece a morrer sem tudo viver. Sem pisar patas de cavalo na madeira do palco, isto não é teatro! Gente que não se tosta com o próprio sol não poderá transmitir muito atrativo ao outro – um ator pode murchar antes de se apresentar. A vitalidade do sol e dos girassóis.. Há pessoas menos atraentes que outras, e isso depende da sua relação com o próprio sol e com o sol do mundo.

O teatro dócil amansado é o pior que poderá haver!
Ele deve nascer-morrer, impelir, avançar e des-obedecer gestos padrões do mundo que insiste em ser-igual, quando ser é desigual e assim humano. O teatro deve ser o do absurdo: onde tudo se coloca a gestar e brotar, e a ter dobras daquilo que virou um rebento no ar – gosto do ar, sua utilidade simbólica na escrita é a mesma que ele ocupa ao estufar-se dentro do peito. Estimo o silêncio exclamativo do teatro do absurdo. Exclamemos-nos dentro d’uma bolha de ar artístico!

*

Um amigo de Buenos Aires, exímio bailarino, frente ao espelho se perguntou, e afirmou ao mesmo tempo, então de braços abertos:

– Tenho chão?!

.não sei se isso é puro teatro, ou se ele realmente conversa com a morte da sua sombra frente ao espelho. Assim: expondo-se ao sol mais quente que há.

*

Qualquer ajuntamento comunicável e inseparável dos elementos palavra-escrita-teatro, isso é mera coincidência e causalidade de linguagens expressivas, condensadas em prol da mutação do ser humano.

O sol é um mediador entre o indivíduo e sua capacidade de dar-se a si mesmo.

*

A obra Depois do Ensaio passou por um teatro de Belo Horizonte, e a presença de Bergman é expositora das duplicadas formas do ser homem-mulher, variados artisticamente perguntam-se quem eles não são, olhando o espelho torto-cortado, entre todos aqueles perfis que nunca alcançam terminar de ser.. Bergman teatraliza perguntas de Sartre no interior das suas obras. Seu fascínio pela mulher da arte, em crises descomunais quando depara-se consigo mesma..é porque Bergman sabe que a mulher é a dona real do símbolo do espelho.

*

Tenho falas que as enxergo ditas desde o palco de um grande teatro:

– Todo caminho há de ser por fim auferido, ainda que a parição das criaturas não tenha advindo do bucho. E serás também mãe se teu útero não usares para procriar. Ter arte é parir.

– Toda arte está a parir aquela parte que os indivíduos esqueceram ser e vir deles mesmos.

E acabou a encenação.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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