O mês é dezembro, ontem, um domingo, quiseram-no fazer março. Como fosse 1964. Naquele ano, no dia 13 de março, o presidente da República João Goulart realizou um comício no Rio de Janeiro, reforçando os valores constitucionais e democráticos de sua posse depois da renúncia de Jânio Quadros.
Corrupção, desgoverno, baderna e, principalmente, alinhamento político com o comunismo eram os motes da união entre a elite econômica, os militares e os EUA para golpear a democracia e depor o presidente.
Percebendo que o Congresso acataria, as Forças Armadas o trairiam, Jango conclamou o que, na época, se chamava de povo, para mostrar a força de um possível revide. Sindicatos de trabalhadores, estudantes, soldados rebelados, políticos de esquerda.
Serviu para mostrar que a direita não poderia mais perder tempo. Costurou-se o golpe com maestria e ritual clássico e religioso. Caiu o governo e tornamos a um período ditatorial, por mais 21 anos.
Ontem, foi 13, não de março nem de 1964, mas sim de dezembro de 2015, e o que se leu é que os novos atores da história golpista, mal costuram, desordenam o ritual e constroem orações sem sentido.
Erram, se atrapalham, tentam algo impossível, explícito em interesses pessoais, se entregam em manchetes, alocuções, tramoias judiciais de porta-de-cadeia.
Dou como único exemplo a criatividade dos editores da Folha de São Paulo, que mais uma vez ressoou na capa do jornal. Depois de reconhecer o crescimento de emprego e renda durante os 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), verificou através de enquete (quanta mediocridade) que 68% dos entrevistados não tiveram percepção da melhora.
Estavam distraídos, consumindo mais, estudando em melhores escolas, carregando malas em aeroportos, frequentando praias, aderindo a famigerados planos privados de saúde. Como notariam? É provável que, durante a maior parte desse período, também a indústria, o comércio e os serviços não tenham percebido alguma melhora.
Essa a grande manchete que encimava outra anunciando que em todos os Estados do Brasil estavam programadas manifestações a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff. Como alguma vergonha precisa ser escondida, um tímido editorial, na capa, pedia a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara de Deputados. Colunistas vários, exceção ao equilibrado Jânio de Freitas, berravam nossas desgraças presentes e futuras.
Bem, caríssimos leitores, não será como em 1964, mas pior, pois se interromperá um período em que o acordo secular de elites foi arranhado, coisa pequena.
Sim, a finalidade deste texto é, mais uma vez, repetir o que mantenho farto em parvas escritas, o acordo secular de elites. Levou-me a isso o temor de que os leitores mal entendam a minha insistência e motivo de desesperança.
Tomo emprestado um trecho de artigo publicado no Valor, em 10/12/2005, da jornalista Maria Clara R. M. do Prado. Depois de citar as percepções de Joseph Stiglitz, Thomas Piketty e Luigi Zingales, do aumento da desigualdade social no planeta, “consequência do estreito relacionamento dos grandes grupos econômicos com a classe política representada no Congresso e no Poder Executivo”, a autora chega ao Brasil.
“Aqui, por defeito de fabricação nos primórdios da colonização, temos desde sempre (meu destaque) um país viciado em conluios e conchavos entre o poder econômico e a classe política, coniventes em seus interesses que confundem o público com o privado”.
Eis aí o que chamo acordo secular de elites. Talvez, o mesmo que Mino Carta use sobre a casa-grande e a senzala, ao conversar com seus botões.
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