Os neo-Bruzundangas, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os neo-Bruzundangas

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Critico mordaz da “boa sociedade brasileira” no início do século XX, Lima Barreto nos legou uma tragicômica paródia da nossa realidade. Refiro-me obviamente ao livro Os Bruzundangas.

Se estivesse vivo (e conseguisse sobreviver às abordagens dos policiais que adoram matar negros e mulatos), ele certamente poderia escrever diversos volumes. De fato a cretinice elevada à condição de ética continua sendo uma característica marcante da nossa “boa sociedade”.

Numa certa rede de TV, em que as negras são condenadas a representar mucamas e empregadinhas domésticas e os negros não podem ser ancoras do telejornal noturno, o chefe da área jornalística escreve um livro provando que não somos racistas. Curiosamente, ele não entrevistou os seus colegas de trabalho que são vítimas do racismo extra-oficial da emissora.

Filmado fazendo comentários racistas, outro jornalista da mesma rede de TV foi apenas suspenso. A Lei Penal da neo-Bruzundanga considera o racismo crime, mas a empresa prefere tratar o caso como se fosse uma indiscrição, um pecadilho. O que ele ameaçou contar se fosse demitido ninguém sabe.

Respeitar a Lei, aliás, nunca foi o forte dos donos daquela emissora. Como se fossem barões do tempo do Império, eles sonegam impostos, corrompem servidores públicos, chantageiam o Estado para obter verbas de publicidade, escolhem presidentes e, se necessário for, derrubam presidentes eleitos pelo povo sem sua autorização.

Há algumas décadas um político se tornou inimigo mortal daquela rede de TV e resumiu sua atividade num mantra: se a rede de TV for a favor, somos contra; se for contra, seremos a favor. De fato ele nunca recebeu qualquer favor do jornalismo daquela empresa, pois os donos da empresa empregaram outro mantra: tudo o que ele fazia estava errado, sendo certo apenas aquilo que ele se recusou a fazer.

Apesar de ser branco aquele político foi tratado como se fosse um negro. Pior, como se fosse um negro que não tinha a alma branca e que, portanto, não podia nem mesmo sujar com os pés a soleira da casa grande. Certa feita ele sujou o interior da companhia com ajuda do Poder Bruzundiciário. Deste mesmo Judiciário que agora hoje se esforça para fazer tudo o que aquela rede de TV quer.

Durante a ditadura, os militares tinham a Bruzundanga nas mãos e aquela rede de TV tinha os militares no bolso. Há alguns anos, os barões da TV perceberam que era mais fácil ou mais barato embolsar um juiz para derrubar a presidenta que ousou cobrar os impostos que a empresa devia. Demorou um pouco, mas a presidenta caiu e o usurpador rapidamente perdoou a dívida. Na neo-Bruzundanga todo poder emana dos telejornais, exceto quando as transmissões são interrompidas por apagões.

Ironicamente, a presidenta deposta estava realizando obras para prevenir apagões, garantindo assim o poder dos seus inimigos. O usurpador colocado no lugar dela, porém, tudo faz para apagar a natureza pública da matriz energética da neo-Bruzundanga. Ele certamente terá sucesso, pois a “vontade de domínio” que ele representa tem origem na verdadeira fonte do poder político após o golpe de estado. Mas o sucesso dele acarretará o fracasso da rede de TV. Quando começarem e se intensificarem, os apagões irão impedir os barões da TV de legitimar seus próprios interesses através do respeitável público.

Aos barões da TV não falta dinheiro, nem poder. Falta-lhes, contudo, imaginação. Durante a ditadura o pai deles protegeu artistas socialistas e autores comunistas porque imaginou que eles seriam capazes de garantir a qualidade da programação. Hoje a rede de TV protege apenas atrizes fascistas e escritores nazistas que sabem destilar ódio e nada mais. 

Chega de intermediários, o próximo presidente será um empregado nosso. O garoto propaganda que eles escolheram, famoso por explorar com lucro a pobreza e o sofrimento alheio é um Zé ninguém. O candidato dos barões da neo-Bruzundanga não tem um partido, não tem eleitores e não tem experiência política. A única coisa que ele tinha era uma mulher gostosa, mas ela já começou a ficar feia.

O pai dos barões da TV era ladino. Ele apoiou os militares e se apoiou nos inimigos deles. Ele sabia que nos negócios, no amor e na política fazer uma aposta do tipo tudo ou nada é algo desnecessário e perigoso. Os filhos dele, porém, não neo-Bruzungandencese típicos e ficarão sem  nada de uma maneira (apagões) ou de outra (derroga eleitoral).

Na Bruzundanga original, os barões se apropriavam da riqueza e a dissipavam de uma maneira ou de outra.

Na neo-Bruzundanga os barões da TV entregam o valioso petróleo aos estrangeiros a preço de banana. Desde que Lima Barreto escreveu seu livro não evoluímos, mas ficamos mais engraçados e desgraçados aos olhos do mundo. Fim. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. Bruzundanga ainda é

    Bruzundanga ainda é insuperável e constitui provavelmente o melhor “retrato do Brasil”, a maior escavação arqueológica de “nossas raízes” o melhor relato de um “viajante estrangeiro” sobre “nossa terra e nossa gente”. Neste quesito Lima Barreto ainda é insuperável. Deveria ser leitura obrigatória.

  2. Os herdeiros daqueles barões

    Quando li Os Bruzundangtas pela primeira vez, la pelos meus 18 anos, fiquei impressionada com aquela satira de uma exatidão impressionante inventada por Lima Barreto. E a minha, a sua lastima e de muitos outros é a de que desde antes da época de Lima Barreto, que o Pais dos Bruzundangas permanece igual. As vezes piora um tanto.

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