Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Papo de boteco rural, por Rui Daher

Boteco Rural

Papo de boteco rural

por Rui Daher

em CartaCapital

A história aconteceu num desses campos de plantio por onde ando. Não precisarei a região, mas sem dúvida era multicultural, em sua total acepção.

Minhas botas tinham caminhado desde cedo até o final da tarde por entre campos de cebolas, tubérculos de batatas, tomates estaqueados e pequena roça de milho, um tanto depauperada pela seca entre fevereiro e março. Mesmo assim, poderia alimentar algumas vacas do senhor Jerônimo Gomes.

Peritos no assunto, minha sócia Viviane e o agrônomo Dirceu indicaram melhores, mais baratos e menos agressivos tratamentos para ajudar mestre Jerônimo a obter mais produtividade, gastar menos com químicos, e ganhar seu dinheirinho.

Como leitores e leitoras podem perceber, o tratamento “mestre” mostra que, naquela hora, já estávamos em cidade com menos de 5 mil habitantes, banhados e arrumadinhos no boteco “Mil Léguas Além”. Haviam-nos prometido um leitão de quintal preparado pela proprietária do local. Foram citados torresminho frito e boa aguardente.

Noite fria, céu limpo e estrelado como nunca serão minhas escritas. Vento leve balançava os galhos das árvores na praça “lipertin”. Lembro-me de Rosa e de não ter uma flor ali para oferecer à dona Maura, que nos traz pratillos y botellas para celebrar con los hermanos.

Dona Maura, veio do Paraguai para o Brasil, há 25 anos, fugindo do governo do ditador Alfredo Stroessner (1912-2006) e ali se instalou. Trabalhou como campesina, estaqueando e cuidando de tomates, criando suínos. Começou a prepara-los de um jeito especial e a fama se estendeu pela vizinhança até o ninguém resistir. Virou negócio.

O marido, el señor Valverde, cinco anos antes de falecer investira em um alambique e mantinha a cachaça por longo tempo em toneis de umburana. Virou negócio. Um jovem sobrinho o tocava.

Tudo isso, fez a senhora Maura se dedicar ao boteco-restaurante onde estivemos depois de nossa empreitada agrária. Aliás, quem poderá negar que as famílias Ometto, Maggi e Cutrale, assim como Maura Valverde, estão nos agronegócios?

Conforme vão chegando acepipes e bebidas. As da Viviane não alcoólicas, afinal será responsável por dirigir um quilômetro e meio até o hotelzinho e teme atropelar um gambá mais bêbado do que nós. Aproximam-se outros campesinos, algumas mulheres e crianças, saídos da missa semanal rezada na pequena paróquia da comunidade.

Passamos a falar do Brasil.

Três deles, Silvinho, Maurício e Guto, foram muito prejudicados em seus negócios. Já vinham aguentando um período de preços baixos devido aos custos dos insumos, os cortes dos recursos à agricultura familiar e, principalmente, a queda de consumo causada pela atual política do governo. Se há desemprego e menor renda, a demanda por alimentos cai.

Maura, a paraguaia:

No existe tierra como esta.

Silvinho se exalta:

– Pois é, senhora Maura, tínhamos produtos, mas não para quem vender. Quando melhorou os caminhões não podiam entregar. Pensei: quando isso acabar, volta o consumo, os preços melhoram, os combustíveis mais baratos.

Guto:

– Durou uma semana. Os combustíveis continuaram nas nuvens e nossos preços voltaram ao inferno, que linda tierra, esta.

Ouvimos tudo entre pururucas, cachaças, e a revoltante Viviane com uma água com gás e suco de limão – graças a Deus, pelo menos, do caipira, aquele amarelão.

Señor Rui, lo que piensa de todo eso, de lo que sucede con Brasil?

– Ô Maura, acabemos con usted y señora. Así que vivo apasionado por quien trabaja en la agricultura.

Todos agradeciemos.

– Sem vocês o Brasil estará acabado como país independente, com soberania própria. Mesmo os que vêm de países vizinhos ou os antigos imigrantes terão que baixar calças. O que temos e querem nos tirar, veio da natureza e dos lusitanos que garantiram esse território para nós. Vocês, meus amigos de forno, fogão e alambique escolheram essa atividade, fazer da agropecuária negócios próprios. Poderiam ter sido sociólogos em São Paulo ou dentistas em Juiz de Fora. Não estariam melhor.

Maurício pede um aparte:

– Juiz? De Fora? Na Justiça todos têm a bunda de fora.

Rimos, demos um tempo, e rascos do leitãozinho (vegano, é claro), entranham-se nos interstícios de nossos dentes.

– Estão entregando nossas riquezas. Não duvido, logo, Dona Maura fazendo torresminhos em Nova Iorque.

Ni por un carajo, señor Rui

Gargalhamos e acreditamos. Maura é uma lutadora.

– O Brasil só esteve no caminho certo com o presidente Lula, hoje preso em Curitiba … “tá bom, Viviane, entendi, está na hora de eu ir para o hotel … mas verdades precisam ser ditas … tá bom … tá bom”.

– Quando vocês se vão?

– Talvez, amanhã. Mas sempre do mesmo jeito, com a lupa, descrevendo o Brasil real.

Besos, mis queridos.

ATENÇÃO: CUMPRINDO EXIGÊNCIA E GRATIDÃO DE NESTOR E PESTANA, O BRD – BLOG RUI DAHER  PRESENTEARÁ  COM EXEMPLARES AUTOGRAFADOS O “DOMINÓ DE BOTEQUIM” OS CINCO PRIMEIROS NOVOS  ASSINANTES  DO GGN. O ENVIO PELO CORREIO SERÁ FEITO PELO PRÓPRIO BRD, MEDIANTE INFORMAÇÃO DE ENDEREÇO VINDO DE DONA LOURDES. O MESMO PARA OS JÁ ASSINANTES, DESDE QUE ACERTEM O NOME DA CIDADE ONDE ACONTECEU A HISTÓRIA. AVISO QUE O LIVRO É PARA QUEM GOSTA DE CRÔNICAS BEM ESCRITAS. NELE, ÑÃO CONSTAM OS NOMES MORO E TEMER. BOA SORTE!

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

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