Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Pausa para Mozart, por Maira Vasconcelos

Por Maira Vasconcelos

Deveria poder desistir de sonhar o mundo. Talvez seja essa a razão de pertencer-me ao quarto isolado quieto que escreve. Uma vez sentido que nunca mais se sonhará, ainda resta todo sonho que quase-escondido permeia nossos dias acordado. Estarei desperta em meu quarto sonhando escrevendo, às sete horas da manhã e cinquenta e um minutos, véspera de um insidioso carnaval, como se fosse possibilidade quase-concreta não misturar-se à realidade. Que sacode a minha janela. O carnaval que treme espia o asfalto aqui, movimentará seu chão aí também.

A síndica toca a campainha para dizer das mudanças no pagamento do condomínio. É chegado o carnaval. Síndica é melhor que síndico, pela sensatez, esbanjam e incorporam menos esse poder coletivo. Aqui existe esse compromisso a tocar à porta, e que tocará a sua porta também. O comum procura a todos. Como se a responsabilidade de sonhar o mundo já não me fosse suficientemente forte e pesada. Reconstruir o mundo a cada crônica, porque ele está sempre acabado naqueles tais cacos – bagunçando os céus helicópteros vigiam a situação do morro da minha serra de todos nós. O carnaval vem e vai embora, a realidade fica. Eu também.

Percebe-se, hoje estou mais normal e real, e também me sinto sem qualquer atrativo justificativa para escrever. Ler-me: nem precisam. Aqui não há nenhuma re-construção única e original sobre o mundo em pedaços. Com este escrito estaria disponibilizando-me a que não-queiram a minha palavra? É carnaval e todos são agradáveis. Eu também.

Devo continuar a escrever sobre nenhuma criatividade? Contar o nosso dia-a-dia?, se eu primo pela liberdade individualidade e ação próprias dos olhos alheios. Não quero crônicas como se minha palavra fosse dona de cenários urbanos. O desenho das ruas e avenidas pertence à coletividade. Apenas escreveria reforçaria esse traço se fossemos verdade individual e plural. O dia será visto por quem quiser como quiser enfrentá-lo: vida ou morte. É carnaval e todos se sentem demasiadamente vívidos. Eu também.

Devo continuar a escrever sobre nenhuma criatividade? Quero a invenção a fantasia a melodia e a natureza que declamam. Sinto enorme indiferença arrastada frente ao escrito que não pula estala esgarça brota ou barulha um canto, não toca piano e violino. Pergunto à palavra: que fazes tu, morta coisa repetitiva?, em que te diferes no amanhã do sol?, no quarto que todos nos prendemos por tão frágeis inadaptáveis, existirás por qual postura razão de ser qual cheiro gosto de vida ou morte na boca do outro?
Beije-me.

Hoje parece que estou aqui, que essa sou eu mesma sem imaginação, desaparecida em parte, sem frequências inventivas aceleradas e sem vestimenta fantasiosa; isso que sou eu mesma agora se parece a um copo de leite bem aguado. Porque isso é o que de mais sem graça me veio em mente. Mas se eu sacudir e derramar o copo de leite, então tudo será, vida que combina com confusão infantil e alegre, e todo o cenário desse escrito começará a ter um esboço. Um leito, um início, um desejo. É carnaval e todos nos amamos nas ruas. Eu também.

Tenho esta palavra que é linha reta sem pulsão elevação, despossuída de ritmo, longe daquele Rondo No1 de Mozart, quando sinto no compasso pés de crianças brincando saltitando. Hoje não tenho essas altivezas – é carnaval, oh! Aprender a seriedade na vívida paixão é escutar Mozart sem se deixar levar pela passageira ilusão, a música acaba e seria banal superficial forçar este encontro para além dos seus espontâneos momentos, não deixar-se induzir pela música insistentemente é saber preservá-la na intimidade no silêncio na contemplação, com distância apreciá-la sendo primeiro e mais firme apesar da imensa sedução e admiração; observar que o tempo é meramente acomodar-se com flexibilidade para criar criar seu próprio jeito-no-espaço, assim talvez pudéssemos constantemente olhar o tempo através das notas, como as pululantes notas de Mozart. Saber abraçá-las. E nunca nunca abandonar a Mozart.

Às vezes, acho que o carnaval nunca chega a existir, porque o carnaval vive da morte daquilo que nunca somos e fazemos. Todos os dias, não deveríamos nunca nunca abandonar a Mozart.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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