Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Pouco dia pra muito céu; por Maíra Vasconcelos

Buenos Aires, setembro, 2014.

“O azul do céu é um azul pintado à tinta. Afinal, quem acreditaria ser este azul do céu, o mesmo azul de tantas coisas que vemos passar aos nossos olhos aqui embaixo?”

Dito isso, pensei em aproveitar este curso de frase enfeitada e colocá-la como situação para um tal personagem. Mas logo fui obrigada a desistir, porque esta passagem diz: olhos aqui embaixo. E isto significa que o olhar está na altura do chão, dos pés, e vivo. Então não serve para a história. E não serve porque este tal personagem vagueia alinhado pelos pontos fortes da morridão. Isso quer dizer: ele fica assim, o tempo todo morrendo mesmo. Numa morte posta em derradeiro acontecer e declínio, mas que não se finaliza, não termina em nenhum ato, ele não morre de vez e se evapora. Ele é alguém no contínuo estado da morte ainda expressiva. Há quanto tempo morreu!, e continua a penar. Este personagem nunca termina de morrer, ser-morrido é seu estado permanente. Mas, olhem, não pretendo aqui explicar o que é o estado de morte-contínua, ou pós-morte, deste personagem. Estou apenas a conversar sobre. Porque há coisas que não se explica, e a partir disso apenas cria-se.

Faz-se da criação a prova real da impossibilidade de explicar certas coisas. Há quanto o mundo esbanja desejo pela invenção! Quantos artistas-pintores olharam aos céus em caos, explanando na terra sempre um delírio de vida. Ah! Mesmo que tão difícil, como aprecio o meu personagem da morte estendida. Ele é a minha racionalidade intelectualmente falha e derrotada. E apenas estou tanto a falar de morte, porque neste momento escrevo esta história, que na página ao lado está a esperar continuidade, junto a este  personagem que não sai disso: da morridão sem fim. Estou a carregar seu linguajar borroso, sua falta de destreza para concluir os dias, seus insetos flores e sua lama, há quanto tempo! Mesmo quando ele passe à etapa de plena luz, ele não deixará de ser em morridão. Ele assumiu o tempo em que já morreu, mas como não se dilui, respira pela história narrando seus despropósitos no presente vivo de pós-morte. Meses se passaram, e sigo a dedilhar sobre, com, e além do que é a sua falta de vida. Dele, deste personagem. E se o sustento é porque treino sorrir, todos os dias, leve e agradável à vida. Como acontece agora, nesta tarde, quando olho este céu que realmente parece pintado de azul, mas que insistentemente tanto contrasta com os azuis que vejo aqui embaixo. E quero sempre tudo num só azul pintado. Ah! Eis que a frase inicial deste escrito serve mesmo todinha para mim!, que estou viva aqui embaixo, bloqueada e embaçada, como se não pudesse alçar olhos acima e sonhar que este azul é mesmo brilhoso assim: tim-tim! Não posso brindar. Não posso ver apenas o céu pleno azul-pintado, porque ao manter a mente paisageando nesta história, vou a lugares e becos longes demais, e para não perder-me, então finco aqui meus pés pisados, na terra. E assim vejo o presente divido em. Estou com o céu azul-pintado diante da minha janela, mas também tenho o céu azul-terroso bem debaixo dos meus pés. O personagem vaga entre. Enquanto faço um balanço entre os dois mundos, e interrogo a beleza dos arredores sem poder permitir que ela seja contínua em mim. Como correr olhos aos céus, e numa só mirada levantar a poeira das nuvens. Mas faço esse duplo jogo de estar, por escrever esta história que entranha em meus olhos. Ter comigo esta narrativa comprida e arrastada é aprender a lidar com a dualidade, pisco rapidamente entre fantasia e realidade. E cada hora meu fascínio de viver está num lugar. Ora na beleza da vida comum e simples, ora na fantasia das palavras cheias de plin-tim-plin! Porque no decorrer de um escrito alongado, apenas o muito o satisfaz. A sua continuidade é o seu preço e o seu esmero. Desde que me entrego à palavra escrita, vejo muitos céus azuis-terrosos e outros tantos céus azuis-pintados. E agora entendo que dar seguimento a uma história é saber caminhar na ambiguidade, e entre dois mundos: meus azuis de céu estão sempre mutantes!

 

Geografia Indefinida

A exclusão é a parte perdida do escrevedor. Logo, tanto compreendo, enquanto sei que não pertenço a. Mas mesmo esse pouco espaço no qual quero poder estar, isso tanto muito come meus pés em carne crua; exigem-me o dia e a noite em perfeita sintonia. Enquanto com a palavra humilde e a voz impositiva, quero apenas estar nalgum lugar. Presente. Mas independente de tudo isso, prossigo. Pois, para quanto há de perdição em mim: escrevo.
                                                                                                                                                                
Gula Antropofágica

Recentemente, uma amiga afirmou ter eu um olhar sensível e mãos hábeis para traduzi-lo. Mas quem sou eu para descumprir tal tarefa!, quieta obedeço; estes olhos podem sempre comer minhas próprias mãos.
 

Ah!, Se ¡Eu! o Encontro.

E seu eu encontrar aquele a quem possa dedicar minha poesia? E se eu vier a pisar junto daquele com quem, sei, poderia ao lado caminhar e baixo falar: toma-te a ti meus versos, que são meus versos tudo o que jamais poderei ser. A verdade não sabe viver, seu tempo é pulso curto como a poesia. Ah! Se encontro este em quem possa deitar meus verdadeiros versos e anti-versos. Poderia então, assim dizer-te: minha poesia é suja, por isso limpa o corpo com a perfeita nuance da língua em lua minguante no céu boêmio. Se o encontro, dar-te-ei meus enviesados versos, que não são versos, são frases-poéticas corridas. Porque corro sempre e sou destemida, tenho frases velozes com desejo de poesia. Ah! Se eu o encontro.

 

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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