Quais ferros marcam as reses do gado?, por Sr. Semana

Esta pesquisa seria uma contribuição inestimável das ciências humanas brasileiras para o conhecimento da humanidade, pois trata-se de fenômeno intrigante que aparenta contradizer a definição aristotélica do ser humano como um animal racional

Obra de Humberto Espindola

Quais ferros marcam as reses do gado?

por Sr. Semana

“Êh, oô, vida de gado. Povo marcado êh. Povo feliz” (Zé Ramalho, “Admirável Gado Novo”)

Rês. Do árabe rãç. ‘cabeça’, ‘cabeça de gado’, plural reses” (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda).

Assim que as condições sanitárias do país permitirem será urgente a formação de uma equipe interdisciplinar de pesquisadores composta por sociólogos, antropólogos, psicólogos, cientistas políticos e da religião, historiadores, veterinários e vaqueiros para estudar os chamados “bolsominions”. Além de traçar o perfil socioeconômico, será fundamental tentar determinar os ferros que marcam a cabeça do bolsonarista. Seriam algoritmos como os elaborados pela Cambridge Analytica e difundidos pelo Facebook? Seriam vínculos familiares, de redes sociais ou de comunidades religiosas? Seriam dogmas religiosos e moralistas incutidos por pregadores fundamentalistas? Seriam instintos antissociais, ressentimentos e frustrações? Algumas questões precisarão ser esclarecidas. São pessoas preponderantemente das classes média e alta? São remanescentes dos manifestantes de 2013? Quais são as filiações religiosas? Há paralelo com a “marcha da família com Deus pela liberdade” que antecedeu o golpe militar? (Hoje mesmo, enquanto escrevo este artigo, vejo uma convocação para uma “Marcha da família cristã pela liberdade”.) Qual é o nível de escolaridade? Quais foram as escolas frequentadas? Quais as fontes de informação? Em que medida estão elas restritas às redes sociais propagadoras de fake news? Possuem parentes ou amigos que morreram vitimados pela Covid-19? Reconhecem que parte considerável das mortes já ocorridas poderia ter sido evitada se o presidente da república tivesse tomado as medidas recomendadas pela ciência? O que pensam da ciência? Possuem crenças e valores humanistas? Reconhecem o aumento impressionante da pobreza e a destruição visível da ciência, das artes, das universidades e da cultura no Brasil? Se sim, acreditam que tudo isto é passageiro ou o preço que se tem de pagar por algo melhor que está por vir? Neste caso, o que seria este “melhor” e como articulam — se é que articulam alguma coisa — o processo destrutivo com o da reconstrução? Ou consideram a destruição um bem em si? Consideram a vida humana um bem ou um mal? Ou sequer consideram uma vida humana para além da própria e dos familiares? Enfim a pergunta mais importante: uma vez identificados os ferros, é possível apagar as suas marcas e destruí-los ou ao menos neutralizá-los?

Esta pesquisa seria uma contribuição inestimável das ciências humanas brasileiras para o conhecimento da humanidade, pois trata-se de fenômeno intrigante que aparenta contradizer a definição aristotélica do ser humano como um animal racional, lembrando que foi Aristóteles o primeiro a formular o princípio da não contradição, princípio lógico constitutivo do pensamento humano, aparentemente negado por um movimento que visa instaurar a tirania — e que tirano! — em nome da liberdade. Será este movimento um sinal que a espécie animal cuja essência é ser racional — a espécie humana — pode estar em vias de extinção?

O filósofo iluminista escocês David Hume imaginou um mensageiro de sua época reportando “aos atenienses [da época de Aristóteles] … [um] povo [que] era tão orgulhoso de sua escravidão e dependência como os atenienses de sua liberdade, e embora um homem desse povo estivesse oprimido, desgraçado, empobrecido, insultado ou aprisionado pelo tirano, ainda consideraria altamente meritório amá-lo, servi-lo e obedecer-lhe, e mesmo morrer em vista de sua mais ínfima glória e satisfação. Os nobres gregos provavelmente perguntariam se estava falando de uma sociedade humana ou de alguma espécie inferior e servil” (D. Hume, Uma Investigação sobre os princípios da moral, São Paulo: editora Unesp, 2003, p. 423).

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

3 Comentários

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  1. Da Coréia do Norte só se conhece e pouco, o que vem da imprensa ocidental. A proposta de tal estudo deveria ser obrigatória ou não? Parece que os alemães que foram como gado para o lado de Hitler tbm não foram muito explicados.

  2. Existe um lado não abordado. Bolsominions são na grande maioria gente que comete crimes, no mínimo roubam, desfilam como “amigos dos guardas” e qualquer coisa que interpretem como sendo em desacordo com o que querem, coisas que ameacem de alguma forma seus status, imediatamente chamam a polícia… Conhecemos mais que uma centena de maçons dentro desse perfil e nenhum fora….

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