Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Quando o fígado fala ao coração, por Rui Daher

Vida e morte de um autor

por Rui Daher

Como todas as pessoas inteligentes, cultas e bem informadas que usam camisas polos, cashmere pendurado sobre os ombros e óculos Prada sabem, ou não, o BRD, Bloco-Boteco do Rui Daher, publica notas diárias no Face, em seu panfleto matinal “O Fígado Diário”. Uma tentativa de desopilar o órgão, precavendo-se da cirrose pelos efeitos de salineiras, serras maltes e parreirais argentinos e chilenos. Escoceses o bolso tem evitado. De gim e absinto tenho medo … de gostar.

Apesar de a bula do genérico Cloridrato de Brasil não alertar sobre efeitos colaterais, tenho percebido que mais do que antídoto a publicação tem-me servido de agravante. Vivo o País mais medíocre desde que me fiz intelecto, e dos menos privilegiados. Imaginem como estarão se sentindo Alexandre Frota e Lobão.

Tudo isso me faz pensar se alguns graus porcentuais a mais de teor alcoólico não seriam mais compensadores na prevenção cirrótica.

Ontem, muitos números um, hein, 11/11? Tanto poderá significar que Temer e Meirelles nos farão líderes como a nota baixa que o planeta nos dará em direitos sociais igualitários e democracia. Por onde passo, ouço animação: “Agora vai! Pusemos para correr aquela camarilha”. Estranho país, este.

Vamos ao causo de hoje.

Saímos, eu e minha amiga e sócia, Viviane, logo na primeira hora da manhã, para uma fábrica de fertilizantes orgânicos e minerais, em Piedade, São Paulo, nossa cliente na consultoria. O assíduo leitor do GGN, Zé Sérgio, conhece o pedaço e sempre me alerta dos perigos da estrada que sai de Sorocaba.

A reunião seria tensa, dessas que a administração de empresas, em sua imbecilidade numérica e solução não totalizante, acredita corrigir a mudança do eixo capitalista. Com tanta gente ganhando dinheiro sem tirar a bunda da cadeira, frente a seus laptops, especulando com a moeda “In Trump We Trust”, só me faltava ficar cagando regra para peão de chão de fábrica.

Saindo de lá, teríamos um encontro com um representante comercial em shopping de Campinas, atuais escritórios de negócios autônomos, e voltaríamos a São Paulo para reunião de fim da tarde, na Faria Lima, com o diretor de um banco sino-português. Tempo e temas nos pressionavam.

No breve almoço, em Itu, chega-me e-mail informando que solicitação feita ao ISBN – International Standard Book Number, aqui monopólio do Ministério da Cultura, através das Fundações Biblioteca Nacional e Miguel de Cervantes, permitida apenas online, previamente paga, pela décima vez fora negada. O mesmo motivo: folha de rosto não conforme o requerido. Explodi. Armei a AK-47 e devo ter causado centenas de mortes na caixa de entrada do ISBN.

Cabe uma explicação: no dia 02 de dezembro, pretendo lançar na Livraria da Vila, da Fradique Coutinho, meu livro “Dominó de Botequim”, com os luxuosos auxílios dos pandeiros de Luís Nassif, Márcio Alemão, Luiz Fernando Juncal Gomes (botecos), Manoel Mendes (dominó), Pilar Veloso (arte), Ali Onaissi (revisão) e Gráfica Hertha (impressão).

Fi-lo independente, porque nenhuma editora qui-lo editar. Daí eu ter de me sujeitar à robótica do ISBN.

No carro, em direção a Campinas, o pensamento juntou algumas lágrimas de ódio à recusa “consulte o manual”, o parmegiana de Itu, e o chop-suey de bacalhau do banco, e bleargh (desculpe-me, Viviane). Seguiram-se fortes dores no peito, dificuldade para respirar, suor frio, tontura e sonolência.

– Vi, para no primeiro hospital que encontrar.

– Que foi? Tá passando mal? Esta droga de livro. Passamos Indaiatuba. Vou ligar e consultar o convênio médico.

Hospital Vera Cruz, Campinas, pronto-atendimento (confirmo!), perguntas de praxe. Confirmo: hipertenso, três safenas, diabético há 40 anos, estresse do trabalho. Fuma, bebidas alcoólicas? Não lembro.

Eletrocardiograma, soro, medicamentos, exames laboratoriais, raio-X. Quatro horas depois:

– O senhor está bem. Uma pequena arritmia cardíaca, talvez causada por algum entrave emocional. Aqui estão todos os resultados normais e uma receita de relaxante. Chegando em São Paulo, vá a seu cardiologista e relate o ocorrido.

– Obrigado, doutor. O senhor já publicou algum livro como autor independente, o senhor já teve que lidar com os robôs do ISBN, o senhor sabe o que é ser recusado dez vezes, tem folha de rosto ou rosto na folha …?

– Rui, chega! Não vai começar. Já teve alta. Quer voltar?

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

13 Comentários

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  1. Rui,
    boa sorte com seu livro,

    Rui,

    boa sorte com seu livro, avise quando estiver à venda nas boas casas do ramo. E cuide do coração, do fígado e de tudo mais. Está um momento dificil para a saúde mesmo.

    abcs

    Antonio

     

  2. quando….

    Caro sr. Rui, quanto ao Brasil só queria que funcionasse minimamente. Não precisa de um herói e um vilão por semana. Sem espetacularização, só queria saber que substâncias por vias nasais e orais fizeram Lobão filho, Lobãozinho para os intímos, bater o seu carro. E desaparecer. Ou desaparecerem com ele. As autoridades policiais não teriam nada a ofercer à sociedade sobre o caso? Nas pequenas coisas, no cotidiano este país se tornaria mais igualitário. “Na tristeza e na alegria”, todos tratados iguais. Quanto à estrada para Piedade SP 79, não é birra ou perseguição É constatação pelas dezenas de acidentes e mortes quase diárias que já presenciei (aquela do cantor Daniel que matou 2 jovens), desde o tempo que se despejavam caminhões de cebolas na beira da estrada por não valer a pena e o custo do diesel de se chegar ao Ceasa (mas o sr. sabe bem. O agricultor brasileiro é um latifundiário, folgado e aproveitador das benesses governamentais. Não é mesmo?!). Piedade é a porta de entrada de um grande pedaço do estado de SP que foi esquecido e abandonado pelo governo. A parte sul do estado (mas se permitirem, aproveito para convidar a seguir a partir desta cidade rumo ao litoral por Tapiraí, Cabeça da Anta, Juquiá, Registro, BR116, Iguape, Ilha Comprida. A estrafa é dificil, mas a natureza, a ecologia, a paisagem, as águas, palmitos, bananas, valem a pena). Quanto a sua situação financeira, que sei que ficou mais dificil depois de trafegar por tantas estradas de SP, deixando malas de dinheiro em pedágios extorsivos, não ajudarei, pois agora quero aquele “presente” BRD autografado. Mais pela honra que pelo valor. O valor posso até depositar para alguma instituição indicada. Do mais, obrigado pela citação. Alguém que crê que o Brasil pode muito mais. E seu leitor. abs.          

  3. “Dominó de Botequim”: só pelo

    “Dominó de Botequim”: só pelo título, este livro deve ser bom p!ra cacete.

    Quero ser um dos primeiros a comprar.

    Não conheço esse tal de RUI (conheço do GGN e da Carta Capital, apenas), mas gosto dele de graça.

    De graça não, pois ele escreve bem p!ra ninguém botar defeito..

    .

    1. Pô, João Jorge

      Nos conhecêssemos seríamos grandes amigos, tenho certeza. Gosto de gente e de viver. Se for de São Paulo, venha me conhecer no dia 02/12 ou no sarau do Nassif. Ficarei muito feliz. Abração. Ah, dependendo da sua idade, temos tempos; da minha nem tanto.

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