“Quem tem medo do lobolso mau?” A anti-fábula de um mandato presidencial, por Jean D. Soares

Sua empáfia até lembra Collor, mas como farsa, não como tragédia.

Agência Brasil

“Quem tem medo do lobolso mau?” A anti-fábula de um mandato presidencial

por Jean D. Soares

Essa anti-fábula em que vivemos tem muitos ingredientes diferentes. Poderíamos esticar mais o conto, mas vamos partir da década de 60.

Com Jânio, a deposição foi instantânea e óbvia; com Jango, tensa, dramática e um tanto resultante da personalidade pacifista de Goular.

A terrível figura de agora não morreu ainda (e dá mostras de que é resiliente, nem os soluços o calam). De fato, nem passa perto de ser um Tancredo. O de hoje só dá asco ou medo.

Sua empáfia até lembra Collor, mas como farsa, não como tragédia. O primeiro presidente eleito e deposto na redemocratização soa como sintoma de uma tragédia civilizacional. Alguém que se elege e questiona o próprio sistema que o elegeu só pode ser um farsante. Assim, o de hoje não mede consequências e a democracia está posta em causa, o que, pelo menos retoricamente, era algo impossível para Collor.

FHC e Lula, para fazer assim uma síntese muito tosca, daquelas de fábulas, contornaram as crises sem pôr em causa o jogo.

Dilma foi vítima de suas próprias competências – era aplicada demais em entender o que se passava enquanto era trapaceada sem qualquer pudor ou compreensão por Temer, Cunha e seus asseclas.

Temer queria ser mordomo sem senhor no planalto. Foi uma espécie de anti-clímax na história. Desfez muito mais do que fez, não quis ser ditador e prezava pelas leis com um republicanismo sádico, pois é sabido que manteve o mandato a base de emendas. Como um personagem de Kafka, sofreu para fazer sofrer, mas não bravateava. Não à toa ainda assombra as salas do planalto central.

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A crise deste inominável é a crise do morde-assopra infinito. Lembra uma terrível história: a dos mais-de-três porquinhos.

Neste caso, o lobo infla, sopra, diz que a casa vai voar. Os porquinhos fogem, sucessivas vezes, aumentando o contingente de covardes que não enfrentam o lobo. O lobo sabe que ele é minoria, mas que eles são covardes. Os covardes sabem que o lobo é mais fraco que ele, mas tem medo de qualquer outra coisa que não se sabe certamente o que é, mas que cheira a Kafka. Estão parados a espera de algo. Para disfarçar, entre um e outro “quem tem medo do lobo mal” dizem que “as instituições estão funcionando normalmente”. Ahã… Enquanto isso, o lobo aproveita-se do espaço deixado pelo caminho pelos porquinhos, cada vez mais apertados. Logo eles que fizeram de tudo para manter o o distanciamento político, social e lógico daquilo que era óbvio a ser feito diante de tal fraca e barulhenta criatura.

Resta saber quem vai ser o dono da casa de concreto? Vai sair algum porteiro a mostrar pela lei como era fácil tirar o lobo dali? Será que ele vai arder com o rabo no fogo da chaminé, à procura do lance final? Ou será por uma inusitada eleição no formigueiro em que está sentado em que sua população de saúvas dará o claro recado do real? Esperar por alguém assim tão messiânico, assim tão engenhoso ou bom de caça é como ficar a espera da próxima cena do seriado institucional que é pior que os originais estadunidenses. Nem o Kevin Spacey seria capaz de imaginar um roteiro desses.

É de um otimismo atroz confiar que as formigas saúvas irão espantar o lobo de uma vez por todas, de forma ordeira, tranquila e democrática, como se estivéssemos diante de uma fábula para adormecer. Não estamos em fábulas, não devemos supor eleições.

Realmente a metáfora fabular serve aqui só para alertar para a dissimetria entre conto e realidade, entre o que muitos confabulam ou desejam para o próximo ano e o espaço político deixado livre para quem preda o lugar do diálogo, a democracia. Não há papai noel, joel, jair, nem lobo mau. O Brasil anda uma casinha de palha e os brasileiros estão cansados de não ter um país do qual se orgulham, no qual viver. Será realmente o caso de esperar para reconstruir, senão o país, ao menos a autoestima?

Jean D. Soares é doutor em filosofia (PUC-Rio).

Redação

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