Sérgio Moro e a Teoria do Medalhão de Machado de Assis, por José Almeida Júnior

No meio jurídico, é comum encontrar medalhões machadianos, com formação baseada em leitura superficial de manuais de Direito, fazendo citações de autores não lidos ou não compreendidos.

do São Paulo Review

Sérgio Moro e a Teoria do Medalhão de Machado de Assis

por José Almeida Júnior

Sérgio Moro usou o espaço concedido pelo Jornal Nacional para se defender da parcialidade no julgamento do ex-presidente Lula, mas acabou cometendo uma gafe. Mesmo tendo uma notória dificuldade em se comunicar na língua portuguesa, o ex-juiz arriscou, em tom irônico, uma citação em francês para dizer que não se arrependia do seu papel na Operação Lava Jato. Moro se atrapalhou com as palavras e chamou a cantora francesa Édith Piaf de “Édith Piá”.

Ao contrário de Sérgio Moro, Machado de Assis não teve uma educação formal. Trabalhando no Ministério da Agricultura, o escritor conviveu com operadores do Direito e foi um crítico da cultura bacharelesca no Brasil. No conto Teoria do Medalhão, Machado traz um diálogo do com o filho Janjão prestes a atingir a maioridade. O pai ensina os passos para se tornar um medalhão. Fazer citações de brocados latinos, de mitologia grega e ditos históricos não costumam falhar. Porém, o pai adverte a Janjão para nunca usar a ironia – esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios. O pai recomenda o uso da chalaça, piada fácil e geralmente grosseira.

No meio jurídico, é comum encontrar medalhões machadianos, com formação baseada em leitura superficial de manuais de Direito, fazendo citações de autores não lidos ou não compreendidos. Em entrevista ao Roda Viva no ano passado, Dias Toffoli citou uma passagem do filósofo Lévi-Strauss ininteligível e descontextualizada, como se o ministro tivesse guardado na manga a citação antes de o programa começar para tentar enriquecer a sua fala.

Sérgio Moro passou por diversas gafes quando se trata de demonstrar conhecimento em cultura geral. Em audiência pública no Senado, quando ainda era Ministro da Justiça, repetiu a palavra “conge” para se referir a cônjuge. No programa de Pedro Bial, ele disse que gostava de ler biografias. Mas, quando perguntado sobre qual tinha sido a última leitura, o ex-juiz hesitou até responder que não se recordava.

O grande erro de Sérgio Moro no Jornal Nacional foi tentar usar a ironia ao ser questionado sobre a sua atuação na Operação Lava Jato. A ironia é um instrumento perigoso, complexo e misterioso que confunde as ideias. O uso da chalaça – como as piadas grosseira que Jair Bolsonaro costuma proferir – seria muito mais recomendável ao ex-juiz, assim como o pai orientou Janjão no conto machadiano.

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José Almeida Júnior é escritor e defensor público. Autor de O homem que odiava Machado de Assis (Faro) e Última Hora (Record).

Redação

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