Só eu só, por Mariana Nassif
Nove.
Quem sabe esse seja o número de vezes que preciso morrer para finalmente me encontrar em vida.
Desde muito cedo fui orientada a sofrer calada pra ninguém se machucar.
Só eu: só.
Minh’alma que é lava transbordou em tentativas frustradas de alguém olhar. Eu calada sobre o que doía, criava feridas inventadas na intenção de curar.
A mentira nunca me fez bem.
Enquanto os adultos achavam isso e aquilo, eu-criança me perdia num lugar que deveria ser de amor. O colo se tornou o trono do mau ser, do mal estar – sentada, chantageada, esfregada, eu, silenciada, sentindo dor.
Só eu: só.
Naquele colo perdi parâmetros, sonhos, limites e algo da pouca certeza que se pode ter aos seis. Como confiar na vida se mesmo mantendo minhas palavras (mudas) o pior dos cenários se fez?
Se foi meu avô, atrás dele minha avó também. Desde então, deve morar em alguma raiz importante a verdade constante que foi algo que eu fiz.
Só eu: só.
Nove vezes – só eu: só.
Até que estar só seja natural, desaprendo que qualquer um possa penetrar minha intimidade, permear minha pele, infiltrar maldades nos meus pensamentos e movimentar minhas pernas pra onde bem entender.
Desaprender e desacostumar. Imprimir novo ritmo, usar a espada em flor que por Oyá me foi dada – e plantada, e adoxada no topo de quem sou. Desaprender e andar meus caminhos, reconhecendo carinhos e escolhendo os abraços, cuidando de cada passo até o medo findar. E ele pretende.
Limitando fronteiras, estipulando barreiras para segurança sentir. Ir e vir. Acertar os erros, perdoar os apelos de quem não sabe sorrir.
Só eu: só.
Ser estaca dessa erva daninha que desde bem pequenininha alguém plantou em mim. Sabendo impossível a poda, com o sopro quente de minha mãe esquento a solda, e mesmo sem conhecer paz-ciência, ao Tempo bato cabeça em reverência:
Iansã e poesia
Trabalho, choro e terapia
Para com Kafka minha metamorfose aprontar.
Me inspiro em kintsugi, afazer milenar de recompor e não há ressurgimento sem amor – rachadura profunda com metal nobre preencher. Cubro com cobre o que me enjoa, e ainda que seja a toa, deixo o dia fluir. Prefiro os quentes , com o morno não se faz nem chá.
Cobre que sou.
Sou eu, só.
Não mais: só, eu só.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Lindos versos, menina-mulher-mãe. Aplaudo cada pétala sua, de qualquer cor, com qualquer perfume.
Um abraço quente da Odonir
Maravilha!!!