Tristeza, por Wilson Ramos Filho

A realidade caleidoscópica nos vem em forma de informações que nos cegam, ao invés de iluminar, como um flash de lambe-lambe, nos atordoando.

Tristeza

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Tudo ficou triste, o futuro cedeu espaço para o imediatismo das decisões egoístas e para realidades paralelas.

Não dá para ser feliz, cantava Gonzaguinha, quando percebemos as consequências do golpe de 2016 e do lavajatismo nas vidas das pessoas, de nossos conhecidos e amigos, de nossos familiares e nas nossas próprias vidas. Não é bom viver assim.

Um terço dos brasileiros aderiu à maneira bolsonara de existir em sociedade.

A realidade caleidoscópica nos vem em forma de informações que nos cegam, ao invés de iluminar, como um flash de lambe-lambe, nos atordoando.

É triste não ter dúvida de que o juiz paulista afastado por furtar diariamente litros de água mineral do fórum é bolsonarista, de que a maioria no judiciário continua apoiando os desmandos da lavajato ou de que a conja do uberista « engenheiro civil formado, melhor que você » e seu marido votaram no jaguara pelos mesmos motivos alegados pelos integrantes da Direita Concursada.

É triste constatar que nossas alegrias muitas vezes vêm em forma de regozijo com a desgraça alheia, real ou desejada. A desavergonhada propaganda da cloroquina nos faz torcer para que o gado se entupa desses ineficazes comprimidos e para que os bolsonaristas agonizem em arritmias cardíacas. Uma estranha sensação de mórbido prazer nos invade quando sabemos que negacionistas contraíram a Covid, principalmente se forem pastores evangélicos. Desejamos a eles templos abertos e muita aglomeração de crentes. Rimos quando católicos nos dizem que o manto azul de nossa senhora aparecida haverá de cobrir os bolsonaristas adoecidos e desejamos que seja em forma de mortalha.

É triste duvidar dos exames anteriores que deram negativo e dos atuais que atestaram a contaminação. Nada que venha de lá possui credibilidade.

É triste ver alguns dos nossos a exigir que abandonemos nossas humanas imperfeições de caráter e que não desejemos o mal para os fascistas. Essas pessoas profundamente boas são as piores. Quanto mais moralista, mais sacana; quanto mais puritano, mais perverso; quanto mais defensor espalhafatoso da honestidade, mais corrupto, sabemos por observação. A mendacidade curricular nāo deve ser indultada pela cor da pele. A escrotidão das dondocas paulistas ou da esposa agora desempregada que insultou o fiscal carioca não deve ser desconsiderada por sororidades ingênuas. Os fascistas não merecem nossa piedade. Nós não merecemos inventá-la, fazer de conta que ela existe. Tristeza infinita.

É triste sorrir ao identificarmos no veto às desonerações das folhas de pagamento uma facada nas costas do empresariado que apoiou a destruição das políticas públicas voltadas aos mais pobres, ou gozar com o « pedido de auxílio ao governo » por parte de quem sempre apoiou o neoliberalismo e a mão invisível do mercado.

Não é bom viver em um país como o nosso. Não é suportável essa maneira bolsonara de existir em sociedade, apoiada por um em cada três compatriotas. Não dá para ser feliz. Resta-nos esperar, pois como cantou Vinicius de Moraes, a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, integra o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora

Redação

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  1. “É triste ver alguns dos nossos a exigir que abandonemos nossas humanas imperfeições de caráter e que não desejemos o mal para os fascistas. Essas pessoas profundamente boas são as piores. Quanto mais moralista, mais sacana; quanto mais puritano, mais perverso; quanto mais defensor espalhafatoso da honestidade, mais corrupto, sabemos por observação.”
    É difícil, o impulso de querer que os fascistas se explodam ou se implodam com o Covid-19 é enorme, quase irresistível. Todavia, aderir a isso seria abdicar de qualquer esforço de internalização da lei moral e de poder agir SEMPRE – ao modo da moral kantiana no imperativo categórico – de tal modo que a máxima desse agir possa ser tomada como um princípio de lei universal; ou seja, com aplicação válida em qualquer circunstância, SEM EXCEÇÃO, mesmo quando há fascistas no cenário, como o demente miliciano que levaram à Presidência da República, infernizando a todos a todo o momento e personalizando a negação da própria lei moral; sem falar na negação do próprio cristianismo invocando Cristo, o que é próprio dos fascistas, como bem lembrou Fernando Haddad no Roda Viva, da lamentável Vera Magalhães.

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