Um conto de Natal: Papai Noel Visita os Economistas, por Nathan Caixeta

Momento perfeito para que o consumismo desmesurado do homem moderno apareça enchendo carrinhos de super mercado de presentes, caixas de cerveja e o indispensável chester natalino.

Um conto de Natal: Papai Noel Visita os Economistas

por Nathan Caixeta[1]

No esforço de explicarem os rodopios da Economia Brasileira nos recortes da Crise Econômica de 2014-16, seguida da Crise-Pandêmica de 2020 em diante, os “economistas do mercado” se enrolaram no pião, ou melhor, no jogo de dados enfeitados pelos modelos econométricos.

No Conto de Natal de Charles Dickens, Scrooge fazia o tipo do homem austero e racional. Avarento, o personagem torce o Nariz vendo no festejo do nascimento do Filho de Nosso Senhor, uma boa oportunidade de não dispender tempo e dinheiro, pois tempo é dinheiro, diria Benjamim Franklin. Quando recebe a visita mal-assombrada de Marley, seu sócio que muito represava o estilo ‘mão de vaca’ de Scrooge, deixou-lhe uma lição que parafraseio com licença poética: “o amor e a alegria, valem mais que o cifrão”.

O Natal virou febre no mundo ocidental. Mesas recheadas das melhores comidas do ano. Famílias reunidas. Momento perfeito para que o consumismo desmesurado do homem moderno apareça enchendo carrinhos de super mercado de presentes, caixas de cerveja e o indispensável chester natalino. Deixando meias com biscoitos e um copo de leite para o bom velhinho, a sinceridade da criança enche os olhos ao acordar e ver recheada de presentes que pedirá na carta ao Papai Noel, vestirem a frondosa árvore de Natal.

A ilusão do natal da classe-média recebeu de Ademar Paiva, poeta Alagoano, a mais brilhante declamação, revelando que em meio a festança natalina, existe um rastro de tristeza jamais percebida em “Eu Não Gosto de Você Papai Noel”:

“Eu não gosto de você, Papai Noel!

Também não gosto desse seu papel de vender ilusões à burguesia.

Se os garotos humildes da cidade soubessem do seu ódio à humildade, jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.

Cresci depressa, me tornei rapaz, sem esquecer, no entanto, o que passou.

Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente e a noite inteira eu esperei, contente.

Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado, trouxe um trenzinho feio, empoeirado,

que me entregou com certa excitação.

Fechou os olhos e balbuciou:

“É pra você, Papai Noel mandou”.

E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso, eu pensei que meu bilhete com atraso,

chegara às suas mãos, no fim do mês.

Limpei o trem, dei corda, ele partiu dando muitas voltas, meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci e comecei a ver todas as coisas com realidade.

Meu pai chegou um dia e disse, a seco:

“Onde é que está aquele seu brinquedo?

Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar e como quem não quer abandonar

um mimo que nos deu, quem nos quer bem, disse medroso: “O senhor vai trocar ele?

Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.

E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio, tanto e tão santo, só Jesus chorou!

Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou ele não deu ouvidos,

saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.

Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre para a riqueza do menino pobre que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido, para não me ver assim desiludido,

comprou por qualquer preço uma ilusão, e num gesto nobre, humano e decisivo,

foi longe pra trazer-me um lenitivo, roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara, no entanto depois de grande, minha mãe, em prantos, contou-me que fôra preso e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.

Foi definhando, até que Deus, um dia, entrou na cela e o libertou pro céu.”

Confesso ao leitor que sempre me escorre lágrimas dos olhos quando vejo, quase como um rito de Natal, a declamação de Lúcio Mauro no encerramento da edição de Natal do eterno humorístico “Escolinha do Professor Raimundo”, estrelado por Chico Anísio.

O Leitor terá razão ao perguntar-se a essa altura: o que diabos isso têm a ver com os economistas?

O sonho dos economistas é que todos se comportem como Scrooge. Por um lado, para provar com esmero sua Teoria das Expectativas Racionais. Por outro, escondem pelas dobras pudendas das diabruras numéricas, a denúncia de Ademar Paiva: a fome e a miséria existem. Mais que isso: só existem, porque enquanto uns tem muito, outros não têm nada, senão a tristeza.

Papai Noel, transformado em símbolo de propaganda, vai ao inconsciente dos economistas, mordendo os biscoitos, dando gole no copo de leite e entregando-lhes um presente que, espero, jamais esqueçam: “As expectativas não são adaptativas, racionais, sendo o mundo ergódico, ou não. São reflexos do comportamento humano”.

No Ano Novo de 2020, os economistas do mercado pulavam de alegria quando a Bolsa de Valores apontava para recordes históricos de desempenho e a esperança nas reformas liberais do Governo Bolsonaro traziam luz ao enfeite de suas árvores-de-natal. Certamente, viam pela ótica individual a reprodução da lógica das Expectativas Racionais: “Se os  mercados são eficientes, aprendendo com os erros do passado, iremos decolar”.

Os desavisados, como Paulo Guedes, viam nessa promessa a rota para o crescimento. No entanto, devemos lembrar que o desempenho da Bolsa de Valores diz tanto em relação ao crescimento da Economia quanto o desempenho urinário diz respeito ao funcionamento das funções cognitivas do ser. Justamente, por que amparadas na ótica individual. A Economia funciona sistemicamente, como bem disse Keynes ao brincar com a dança das cadeiras em sua Teoria Geral: “As expectativas sobre o futuro são amparadas em convenções de que o gasto de um, se transforme em renda para outro”. Completa o mestre Maynard: “na dança das cadeiras, a música precisa continuar a tocar para que o gasto continue seu percurso, passando de mãos e formando a renda do vizinho. Quando a música para de tocar, todos se sentam”. Para quem relembra da infância a regra é: “salvem-se quem puder”. Quando todos se estapeiam por um lugar nas cadeiras vazias, ao fim, alguém fica sem assento. Logo, quando interrompida a música, portanto, o circuito dos gastos, o desiludido descadeirado encarna o desempregado. O gasto para de girar, a renda da sociedade se retrai.

Esse circuito deve-se à maldade dos DJ’s da festa, os detentores da riqueza  que quando olham para o futuro esperando ganhar disparam o pancadão. Aos poucos, reduzem o ritmo tocando músicas lentas, reduzindo os níveis de investimento. Quando ao avistarem o futuro, encerram a música sem rodeios, fugindo da festa para deitar sobre o colchão da liquidez. Os dançantes com sorte encontram uma cadeira, os restantes topam com o desemprego.

Em espírito natalino, desejando aos leitores um excelente ano novo, deixo a mensagem em tom do coração revolucionário de um jovem escritor: ao invés de dançarmos ao ritmo dos donos da riqueza, porque não nós quem ritmamos a festa?

Repriso o sonho do velho Marx na Crítica ao Programa de Gotha: “De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”


[1] Pós Graduando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da UNICAMP e Pesquisador do NEC/FACAMP

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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