Um Segredo de San Telmo

Tenho uma denúncia portenha: San Telmo não é um bairro. Ofendida e enganada redijo o que chamarei de crônica-revelação. San Telmo é uma mentira. Uma mentira fabricada para nutrir o gosto curioso e descobridor daqueles estrangeiros residentes e turistas latino-americanos, europeus e ianques. E não podendo ser simplesmente um bairro, está sendo apropriado pela fantasia jovem de uma aventura exótica em Buenos Aires. O diferente-socialmente é um bicho desconhecido, mas em San Telmo ele é visto de perto, e aqui falseiam o rompimento das barreiras sociais e culturais.

Quando San Telmo ousa ser um bairro, em instantes de vida real, ele pode ser desagradável. Eu vi a desocupação de moradores em uma casa! Já vi casa sem maçaneta, criança sozinha, e família embolada. Policiais e ambulâncias preparados, rua Chacabuco fechada: estão desalojando, dizia um cinegrafista. Ah! Não sei mais o que é querer, estou perdendo a noção de gostar: no te quiero, San Telmo. Queria apenas um bairro, mesmo com suas casas tomadas: chegamos e ocupamos! Posso e já sou sua vizinha se esse é seu processo, se essa é a sua realidade, assim, moremos juntos. Mas surrupiaram de San Telmo seu direito de ser bairro, de ser o que ele é, diante de qualquer luz. À noite, naqueles intelectualmente descuidados bares-cafés, discussões literárias Borges-Cortázar, passando pela política de conscientização; na outra esquina, aos raios do dia, a desapropriação de um imóvel com suas pessoas e das pessoas com as suas coisas.

E foi assim que eu vi a verdade-realidade do bairro que San Telmo dignamente não pode ser. Estampam aqui o maior dos utilitarismos, e todo demais que saia dos trilhos do turismo: cada um com seus problemas. Por favor, as autoridades públicas que se façam presentes para averiguar os excessos e os esquecimentos aos quais San Telmo está sendo submetido. Essa é uma crônica-denúncia. Ah! Esqueci o nome do prefeito de Buenos Aires, não estou em nenhum café-bar, estou em casa, morando em San Telmo. E outro dia, que pode ser hoje ou amanhã, vi um menino e um adulto cavoucando um contêiner estacionado na esquina de um restaurante. Enquanto os estrangeiros adoram morar em San Telmo: que incompreensível essa falta de sentir a realidade alheia. E a realidade mostra que San Telmo é velhinho, bairro dos mais antigos da Capital Federal, cidade que carrega 400 e alguns anos mais, eis que ele não pode mais cuidar sozinho de si. Cadê o chefe político desse lugar?

San Telmo, estou tentando mostrar os abusos, estou escrevendo, e moro com você nesse lugar que somente a gente pisa: o bairro-escondido de San Telmo. E aqui, na solidão das palavras, San Telmo me conta baixinho alguma coisa. Ele quer um dia agradecer com toda a suntuosidade dos seus casarões antigos a fantasia e o entusiasmo jovem-turístico que lhe é agraciado, mas para isso, ele, San Telmo, necessita de duas coisas: dos seus moradores e das suas casas estarem de pé para honrar tais cumprimentos.

**Recado a leitores

Pelo cansaço dividido

Descobri que sou mesmo muito transparente. Vieram avisar que meu cansaço íntimo, diria até mesmo caseiro, pela tarefa da palavra escrita, permeia vivo em minhas a-crônicas. Aqueles leitores se queixaram de cansaço, com razão. Eu os cansei! Mas, realmente, tocar sob o sangue derramado de um menino de 18 anos, vermelho esvaído por linchamento público, essas coisas cansam quem escreve. Conto-lhes, também pesa. Às vezes, queria apenas poder não ser incomodada pelo mundo. Sinto pesos, talvez por isso escreva, deve ser para aliviar. Ah! Mas quão perceptíveis vocês se saíram na leitura daquela crônica. Sim, tenho um grande amigo psicanalista lacaniano, que hoje mora em Paris, e talvez seja ele o leitor mais entusiasmado dos meus escritos tão confessionais. Disse-me, certa vez, que minhas palavras estariam de muito bom gosto para serem estudadas em salas de aula do curso de psicologia. Correto! Parece que tenho tido sorte com aqueles que me leem, são bons interpretadores. E vocês foram leitores tão precisos, adivinharam até mesmo que tenho necessitado descansar meditando alguns minutos logo após o almoço. Deve ser por esse tal cansaço, e esse tal peso. Mas como se não bastasse tais aflições em mim, agora começo a compartilhá-las. Vejam isso, talvez tenha existência real esse tal sentido de coletividade. Obrigada, leitores.

 

Redação

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. P { margin-bottom: 0.21cm;

    P { margin-bottom: 0.21cm; }

    San Telmo huele a faso

    por las tardes amarillas norte-sur

    las bicicletas tiemblan

    sobre los adoquines

    San Telmo tiene historia

    ya nadie se acuerda

    los domingos son los mismos,

    de mi parte, confieso que nunca tuve barrio,

    soy aguero de una decadencia.

     

    Discurso

     

    Me dirijo a los nobles caballeros:

    Alzad estas calles al nuevo tiempo, les ruego,

    señores especuladores!

    Ávidos que sois por lo devaluado,

    monjes franciscanos en vuestra búsqueda por lo que

    subyace, por lo que escapa a los ojos de inmorales materialistas:

    veis la verde flor y su frescor bajo el légamo gris

    de un mundo desacreditado, anclado en recuerdos.

    Abrid vuestras obesas billeteras,

    y alzad también a mi, señores,

    esta promesa a quien le falta una correcta inversión!,

    hacedme la sustancia del ahora por el tiempo que queráis,

    que necesitáis!,

    puesto que tengo mucha historia y mucho tiempo

    y el mundo lo que mejor me ha enseñado

    fue a venderlos.

    Os garantizo buena tasa de ganancia

    dado que me encuentro ya

    en mi propio olvido:

    no habrá piquetes contra el desalojo,

    los antiguos habitantes estarán dormidos, confundidos y sin antojos.

     

    Si me dais la voz, les cantaré que tan lindo soy

    caminando y cagando por las calles parisinas

    de este barrio de San Telmo;

    como todo siempre se pudo en estas largas veredas de la vida.

    Les contaré a todos

    que mi sufrir es real, que sin embargo encuentro fuerzas

    para re(in)ventarme, genuino, con la presencia más que mágica

    de mi humanidad, de toda la humanidad a donde

    pertenece el arte. Que podría ser yo,

    podría ser tu, y sin embargo,

    soy yo.

    Que San Telmo es mejor que Ipanema en Río,

    solo habría que quitarle los mendigos.

    Y que una persona existe, que el mundo

    es porque es.

     

    Este poema es mi tarjeta,

    yo nunca dejo de ser un buen negocio

    anda a buscarme entonces

    por las calles de San Telmo.

  2. Solo mi triste opinión, debo

    Solo mi triste opinión, debo decir que “el progreso” me deprime trayendo consigo tanta banalidad y tanta destrucción.

    Se come a la Ciudad y con ella a la gente. No es que no me guste progresar…sólo que parece inexorable que ello conlleve la pérdida de tanto patrimonio público y tanta identidad.

    Lo que para algunos es cool, divertido, hasta éxótico para otros es la cruel realidad que habitan.

    En tiendo muy bien a Maira…. que tanta sencibilidad le pese en el alma y necesite publicarlo, compartirlo no solo como catársis personal. Yo creo que busca mostrarnos la otra cara de la moneda, la que muchas veces nos rehusamos a mirar, tal vez por que duele tanto.

  3. San Telmo

    Maíra,

    Sua sensibilidade ao abordar temas cotidianos de San Telmo me encantaram.

    Espero que sua a-crônica dos sábados tenha  vida longa. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador