À espera dos bárbaros
por Walnice Nogueira Galvão
Este é o título de um célebre poema, cujo autor, Konstantinos Kavafis (1863-1933), grego de Alexandria, vem a ser um dos maiores poetas que o planeta já produziu. Sua obra, pequena e refinada, só na posteridade recebeu a atenção que merecia.
Kavafis se regozijava na decadência, e grego que era, escreveu obsessivamente sobre o período helenístico, quando, a partir da Grécia conquistada, a cultura grega se alastrou sobre o confuso universo do fim do Império Romano, que ruía ante o assédio dos povos bárbaros. Pondo a nu, em suma, os estertores de uma civilização.
Um de seus poemas mais característicos fala de um pequeno rei dos confins desse horizonte, em vias de orientar o cunhador de moeda, instruindo-o quanto às figuras e dizeres, insistindo para que acrescente a palavra “fileleno” – ou seja, aquele que ama as coisas gregas – como epíteto, depois de Rei e Salvador (poema “Fileleno”).
O outro tema favorito do poeta foi a experiência homossexual, sua lira louvando a beleza física, enquanto cultor de efebos como os gregos da época clássica. Mas também os píncaros do prazer, em toda a sua pungência, como certos poetas da Antiguidade, sobretudo os da versão latina, a exemplo de Catulo. Destacamos o poema que exorta o próprio corpo a se rejubilar por tudo que já sentiu (poema “Corpo, lembra”). Lembramos aqui Carlos Drummond de Andrade, cujo poema “Campo de flores” canta todos os amores: “De tantos que já tive ou tiveram em mim”.
Antonio Candido dedicou uma análise a “À espera dos bárbaros” em seu livro O discurso e a cidade, considerando-o lado a lado com textos literários aparentados como O deserto dos tártaros de Dino Buzzatti, Le rivage des Syrtes de Julien Gracq e, como não podia deixar de ser, A muralha da China, de Kafka, mestre de todos. Ali o crítico examina essas diversas estratégias de lidar com o absurdo, típicas da modernidade, encarnadas em personagens às voltas com um mundo que carece de sentido. Leia o poema abaixo.
À ESPERA DOS BÁRBAROS
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.
[Kavafis – trad. José Paulo Paes]
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP