A maldição da supermemória

Nassif,

Já imaginou se tivéssemos a capacidade de lembrar tudo, tim-tim por tim-tim, da nossa vida? O de bom e o de ruim?

Uma angústia por um amor perdido? Uma dor de dente? Uma situação constrangedora? A cor do esmalte dos dedos no dia do casamento?

Ou até coisas prosaicas, como o enredo de um filme assistido há anos?

Pois existe uma pessoa afetada por essa síndrome (hipermemória) diagnosticado em Jill Price pelo médico James McGough.

Prefereria essa síndrome do que a perda da memória.

Jill sabe repetir os textos de diários que mantém há quase 40 anos

No curioso caso de Jill Price, o médico James McGaugh diagnosticou o primeiro caso de síndrome de “hipermemória”. O caso, descrito pelo autor Bert Davis, está no livro “A Mulher que Não Consegue Esquecer”.

OquO que é hipermemória? É um distúrbio que faz com que a pessoa não esqueça nada do que viveu, nem tampouco dos sentimentos que experimentou. Todos os erros e acertos, todas as alegrias e tristezas… Tudo continua vivo, colorido, presente.

Quando nos convém, olhamos para o céu, apertamos as mãos entre elas e murmuramos como seria bom ter uma memória cinematográfica. Esse tipo de desejo surge na hora de uma prova, na busca de fatos durante uma discussão ou em pessoas que simplesmente gostam da nostalgia e que gostam de conversas memorialistas para abafar o ego.

Contudo, quando os acontecimentos não são dos melhores, o que todos querem é esquecer. Garotas com coração quebrado se desfazem até dos objetos que possam, de alguma forma, lembrar do antigo amor. E esse é só um exemplo básico e que todos conhecem.

A memória é personagem de episódios familiares, desgraças históricas, da formação e confirmação de sua própria existência. Diversos livros e filmes já trataram do assunto, além de filósofos, psiquiatras e psicanalistas que conflitam as produções de imagens que ora estão recalcadas no inconsciente ou ora estão presente e vivas em nossa mente.

No caso da “A Mulher que Não Consegue Esquecer”, Jill se lembra do que comeu na semana passada, de diálogos do filme favorito e muito mais. Ela se recorda de datas de acidentes aéreos, o que passou em determinada segunda-feira na televisão, além de conseguir se lembrar com precisão o que ela mesmo estava fazendo e pensando.

Leia trecho:

*

Sei muito bem quão tirânica a memória consegue ser. Sou portadora do primeiro caso diagnosticado de um distúrbio da memória que os cientistas denominaram síndrome da hipermemória – a lembrança autobiográfica contínua e automática de cada dia da minha vida desde os meus catorze anos. Minha memória começou a se tornar horrivelmente completa em 1974, quando eu tinha oito anos. A partir de 1980, é quase perfeita. Diga uma data daquele ano em diante que eu direi instantaneamente qual dia da semana foi, o que fiz naquele dia e quaisquer acontecimentos importantes que ocorreram – ou até acontecimentos menores -, contando que tenha ouvido falar deles naquele dia.

Minhas lembranças são como cenas de filmes caseiros de cada dia de minha vida, constantemente projetados em minha cabeça, avançando e retrocedendo pelos anos de forma implacável, transportando-me a qualquer momento, independente da minha vontade. Imagine que alguém tivesse feito vídeos seus desde a época de criança, seguindo você o dia inteiro, dia após dia, e depois reunisse tudo em um DVD, e que você se sentasse numa sala e assistisse à compilação num aparelho programado para embaralhar aleatoriamente as cenas.

(…)

Consigo ter lembranças à vontade quando me pedem, mas normalmente minha memória é automática. Não faço nenhum esforço para evocar as lembranças; elas simplesmente preenchem minha mente. Na verdade, não estou sob meu controle consciente, e por mais que eu queira, não consigo detê-las. Elas pipocam na minha cabeça, talvez desencadeadas por alguém mencionado uma data ou um nome, ou por uma canção no rádio, e quer eu deseje ou não voltar a uma época específica, minha mente dispara bem para aquele momento.

(…)

Minha maior esperança é que os cientistas descubram algo sobre meu cérebro que ajude a solucionar os enigmas dos trágicos distúrbios da perda de memória. Eles já concluíram, a partir de tomografias do meu cérebro. Que existem diferenças estruturais pronunciadas que provavelmente explicam por que minha memória é tão completa e implacável. Eles me contaram quantos mistérios sobre a memória ainda estão enfrentando, e parece que o que aprenderam sobre o meu cérebro e memória levará a pesquisas frutíferas. Por ora, espero que minha história seja esclarecedora e instigante para os leitores, e que ajude a explicar o papel da memória – bem como o do esquecimento – na vida de todos nós e como nossas lembranças são responsáveis, em grande parte, pelo que somos.

* 

Luis Nassif

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