A visão do Movimento Mães de Maio sobre o Fora do Eixo

Sugerido por Nilva de Souza

Acho importante postar a visão do Movimento Mães de Maio sobre a polêmica envolvendo o Fora do Eixo e os NINJAS.

Do Facebook do Movimento Mães de Maio

MUITA GENTE TEM NOS PERGUNTADO SOBRE O “FORA DO EIXO”…

Nosso movimento não tem como foco esta polêmica (temos a busca por Amarildos, Ricardos e Justiças como prioridade todos os dias), nem vamos entrar em qualquer onda de denuncismo, de crítica ética-moral ou fulanização da história. Reduzir qualquer crítica social mais profunda, da exploração capitalista e suas lógicas renovadas de lucro, ao tema da “corrupção” é sempre mais interessante para o próprio sistema capitalista – corrupto e corruptor na sua estrutura histórica – do que para os reais interesses de nós trabalha-dores. Temos visto muito essa manobra midiática nas ruas atualmente…

Enquanto movimento social autônomo, achamos que as experiências populares não podem ser capturadas de maneira nenhuma por empresas, ONGs, mídias comerciais, políticos ou outros intermediários de nossa cultura de resistência. Ninguém fala, muito menos capitaliza, em nosso nome! Isso vale para o campo da cultura e comunicação, onde acreditamos que os coletivos de artistas e comunicadores populares devem cada vez mais empoderarem-se e serem fortalecidos diretamente – sem intermediários. Isso vale também para as iniciativas sociais que lutam diretamente contra o genocídio da população preta, pobre e periférica, que sempre foi e continuará sendo nosso foco prioritário, e cuja luta não está à venda. 

Autonomia pressupõe empoderamento da própria vida e ação coletiva direta, “Nóis por Nóis”, e pressupõe também a liberdade de colocar o dedo em todas as feridas críticas necessárias (a começar frente ao próprio Estado), que a sociedade tem que colocar para a sua transformação radical. Por isso nunca embarcamos nessa história-pra-boi-dormir de “pós-rancor” e de falsa conciliação “amorosa” das lutas sociais que temos no presente, afinal de contas bem pesadas, e, se Nós quisermos, vamos ter ainda mais fortes daqui pra frente. 

Como falar de “pós-rancor” em meio a mais de 570.000 dos nossos encarcerados neste momento em todo país?! Como “sorrir” com outras mais de 30.000 crianças e adolescentes penando em FEBEMs por todo território, aprisionando junto suas Mães e familiares?! Como ser “amável” com cerca de 60.000 pessoas do nosso povo assassinadas, mortas ou desaparecidas, todos os recentes anos no Brasil (estamos falando de cerca de 5.000 corpos dos nossos POR MÊS, ou 166 pessoas e famílias destruídas POR DIA), entendeu?! “Pós-rancor”?! É muita treta pra Vinicius de Morais ou Amorais…

Passar um verniz ideológico de “amor” sobre essa dor real que sentimos, produto da exploração e da opressão cotidiana de todo um povo por uma elite civil-militar secular, sempre nos soou como uma manobra oportunista do interesse apenas dessa elite patrocinadora da miséria, da violência continuada, e da sua cínica tentativa de disfarce “cordial e democrático”. Nenhum fim justifica esses meios!

Somos do “movimento pré-rancor” e da “mídia capoeira”, e ao invés de entrar nessa mais nova histeria sobre o Fora do Eixo e seus Ninjas, preferimos seguir a construção cotidiana e rancorosa do verdadeiro Amor revolucionário. 

Se nos permitirem uma citação, o “Manifesto da Antropofagia Periférica” do Sérgio Vaz, escrito lá no já longínquo ano de 2007: “A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. / Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. (…) / Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!” / Contra os carrascos e as vítimas do sistema. / Contra os covardes e eruditos de aquário. / Contra o artista serviçal escravo da vaidade. / Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada. / A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza. / Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.”

Nós não somos dessa guerra de memes, nem dessa “paz”. Nossa História, nossa Caminhada, nossa Campanha é Otra.

Mães de Maio da Democracia Brasileira

DA PAZ (por Marcelino Freire)

“Eu não sou da paz. Não sou mesmo não. Não sou. Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça. Uma desgraça. Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz fica bonita na televisão. Viu aquele ator? Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não. Não vou. A paz é perda de tempo. E o tanto que eu tenho para fazer hoje. Arroz e feijão. Arroz e feijão. Sem contar a costura. Meu juízo não está bom. A paz me deixa doente. Sabe como é? Sem disposição. Sinto muito. Sinto. A paz não vai estragar o meu domingo. A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança. Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida. A paz precisa de sangue. Já disse. Não quero. Não vou a nenhum passeio. A nenhuma passeata. Não saio. Não movo uma palha. Nem morta. Nem que a paz venha aqui bater na minha porta. Eu não abro. Eu não deixo entrar. A paz está proibida. A paz só aparece nessas horas. Em que a guerra é transferida. Viu? Agora é que a cidade se organiza. Para salvar a pele de quem? A minha é que não é. Rezar nesse inferno eu já rezo. Amém. Eu é que não vou acompanhar andor de ninguém. Não vou. Não vou. Sabe de uma coisa: eles que se lasquem. É. Eles que caminhem. A tarde inteira. Porque eu já cansei. Eu não tenho mais paciência. Não tenho. A paz parece que está rindo de mim. Reparou? Com todos os terços. Com todos os nervos. Dentes estridentes. Reparou? Vou fazer mais o quê, hein? Hein? Quem vai ressuscitar meu filho, o Joaquim? Eu é que não vou levar a foto do menino para ficar exibindo lá embaixo. Carregando na avenida a minha ferida. Marchar não vou, ao lado de polícia. Toda vez que vejo a foto do Joaquim, dá um nó. Uma saudade. Sabe? Uma dor na vista. Um cisco no peito. Sem fim. Ai que dor! Dor. Dor. Dor. A minha vontade é sair gritando. Urrando. Soltando tiro. Juro. Meu Jesus! Matando todo mundo. É. Todo mundo. Eu matava, pode ter certeza. A paz é que é culpada. Sabe, não sabe? A paz é que não deixa.”

Luis Nassif

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