Ai Weiwei na Oca: “Raiz”, por Walnice Nogueira Galvão

Foto: Divulgação

Por Walnice Nogueira Galvão 

Eis que chega a toque de caixa o artista chinês, uma celebridade mundial. Há tempos não víamos uma exposição internacional tão grande, tão rica, ocupando tanto espaço. Cerca de 70, as obras até que não são numerosas, mas, quase sempre descomunais, aparentam uma pletora. Notam-se logo como características a monumentalidade e a serialidade, que predominam nas artes visuais do planeta há já alguns anos.
 
A impressão é mista: o artista é dado à experimentação, o que não é mau, mas por outro lado pode resultar em falta de estilo, ou de caráter, ficando visível o sinete de outros artistas.Certas peças poderiam ser assinadas por Andy Warhol, outras por Marcel Duchamp, outras mesmo por FransKrajcberg. Este último, militante ambientalista, praticava a escultura em madeira morta, consagrandosua arte à defesa da natureza ameaçada da Amazônia e do Pantanal.
 
Maior peça da mostra, aquela que lhe dá nome, “Raiz”é um conjunto de troncos de árvore esgalhados, advindos do pequi-vinagreiro, uma espécie gigantesca da Mata Atlântica.Crescendo desmesuradamente, dá madeiras calcinadas de grande majestade, como se pode ver nos bancos do parque de Inhotim. Ai Weiwei trouxe uma equipe da China e dedicou-se a serrar em pedaços, para trabalhá-la,a árvore milenar que achou em Trancoso, na Bahia. 
 
Em outras direções, multiplicando os materiais e os gêneros, aparece por exemplo a porcelana em torres de vasos, bem comonumarranjo sobre o piso que comportou, dizem, cerca de 36 milhões de sementes moldadasnessa matéria-prima.
 
Há um lindo anjo alvíssimo concebido como pipa, todo em varetas de bambu e papel de seda, levitando sobre o vão da rampa.
 
Uma imensa instalação feita com bicicletas encontra-se fora, na entrada do Ibirapuera.
 
Há papel de parede ilustrado com protestos contra a guerra e alertando para a catástrofe humana que é o surgimento de refugiados.Um barco negro inflado, homenagem àqueles que atravessam o Mediterrâneo por meios improvisados e que morrem afogados toda hora, ficou flutuando no lago do Ibirapuera por alguns dias antes de ser recolhido à Oca.
 
Acrescentando um toque brasileiro, peles de boi retrabalhadas de várias maneiras ornamentam as paredes, assim como ex-votos aglomerados sobre o piso. 
 
Tamanha variedade de materiais e de gêneros dependeu de ateliês com numerosas pessoas:os objetosde porcelana provêem de São Caetano do Sul, assim comoosex-votos de Juazeiro do Norte.
 
Conquanto tendência contemporânea, incomoda um pouco que o artista exiba seu narcisismo, indo ao ponto de não se acanhar de aparecer em efígie em numerosas peças, inclusive numa moldagem de seu corpo nu.Incomoda também que certas obras tragam paralelamente uma narrativa, que lhes é exterior, quase como se a narrativa justificasse a obra – como ocorre com o barco de refugiados. Assim, as toneladas de vergalhões de ferro, ocupando uma parte do piso, ficariam incompreensíveis,ou como uma instalação abstrata,se não fosse explicitado que vieram de escolas precariamente erguidase derrubadas pelo último terremoto, matando um número enorme de crianças.
 
Enfant-terrible, o artista carrega a reputação de dissidência e de desobediência civil contra o regime chinês, vivendo hoje exilado na Europa.Mas em alguma coisa foi seduzido pelo Ocidente e é o que parece indicar sua alegre descoberta do lucro. No vernissage, foram postos à venda milhares de cópias de seu desaforado dedo médio erguido em desafio aos poderosos de seu país, em tamanho natural. Custavam a bagatela de R$ 1.000,00 (sim, mil reais) e não chegaram para as  encomendas, esgotando-se rapidamente. Outras peças também estavam à venda e também se venderam muito. Por exemplo, uma caixa de vidro contendo uma fruta do conde, uma ostra, parte de um cacho de dendê e um abacaxi, todos em cerâmica multicor, suas iniciais formando um palavrão – o que corteja perigosamente o gracejo.
 
Anuncia-se ainda que, além de ser enorme em todos os sentidos, é a maior exposição já realizada por Ai Weiwei. Em que pesem as ambiguidades que apontamos, trata-se de uma exposição vivaz e variada, colocando desafios que suscitam reflexões.
 
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
 
Walnice Nogueira Galvão

1 Comentário

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  1. A alegre descoberta do lucro
     

    E a arte lucrativa esgota-se em si mesmo , na sua contemporaneidade.

     

    “…Mas em alguma coisa foi seduzido pelo Ocidente e é o que parece indicar sua alegre descoberta do lucro…”

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