Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald no Planalto Central, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald no Planalto Central

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há algum tempo, aqui mesmo no GGN, fiz um comentário sobre a saga Herry Potter. Voto ao tema porque hoje fui ver “Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald”. 

Apenas uma coisa me chamou atenção nesse filme inspirado na obra da escritora J.K. Rowling: a ideologia do vilão. Em seu discurso de recrutamento de aliados, Grindelwald diz que os bruxos devem dominar o mundo dos humanos, pois eles são mais habilidosos e aptos a governar. Os “trouxas” (humanos, não mágicos) são diferentes e, obviamente, menos aptos a cuidar de si mesmos. Então o vilão realiza uma magia para mostrar cenas do futuro humano (guerras mundiais, bomba atômica) sugerindo que, para seu próprio bem, os “trouxas” são bárbaros e precisam ser governados pelos bruxos. 

À medida que o vilão discursava e a cena progredia comecei a lembrar de algo que li sobre a escravidão. Ao retornar para minha residência não tive dificuldade alguma em localizar o fragmento que o discurso de Grindelwald evocou.

“Pois que alguns devem comandar e outros obedecer não é uma coisa somente necessária, mas também útil. Entre os seres, desde o nascimento, alguns são destinados ao comando, e outros à obediência; há várias espécies, entre eles, de comandantes e comandados, e o comando mais elevado é aquele que é praticado pelos súditos mais elevados. Desse modo, comandar homens é mais elevado que comandar animais, pois o trabalho executado por seres mais perfeitos é ele mesmo mais perfeito. Ora, em toda parte em que há um que comanda, de um lado, e um que é comandado de outro, o resultado é uma obra.” (Política, Aristóteles, Livro I, Capítulo V, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 35)

Aristóteles define a escravidão como uma relação natural, útil e necessária que beneficia tanto o senhor quanto o escravo, pois:

Há também, por natureza, visando à conservação das espécies, um ser que comanda e outro que obedece: aquele que é capaz de previdência, por sua inteligência, é por natureza o senhor; e aquele que é capaz, pelo vigor de seu corpo, de por em ação aquilo que o senhor prevê, é um súdito e, por natureza, um escravo; por conseguinte, senhor e escravo têm o mesmo interesse.” (Política, Aristóteles, Livro I, Capítulo II, Martin Claret, São Paulo, 2018, p. 28)

Ao considerar a sujeição algo natural e derivado das qualidades intrínsecas distintas do senhor e do escravo, Aristóteles sugere duas outras coisas essenciais para a sua filosofia. A primeira é a de que entre o senhor e o escravo não existe e não pode existir política. A assimetria impede o surgimento de um poder supraindividual que se origine na livre manifestação da vontade de ambos. A segunda e talvez, a mais importante, é que o escravo não tem o direito de romper unilateralmente a relação de sujeição. Ao se rebelar contra a escravidão o escravo se colocaria contra a natureza e obviamente, prejudicaria seus próprios interesses.

O eloquente discurso de Grindelwald evoca a concepção aristotélica da escravidão. Ninguém precisa ser muito brilhante ou observador para notar que a tese de Aristóteles foi transposta para ao universo mágico de J.K. Rowling com uma certa elegância. Na verdade, a autora não deixou de ser extremamente irônica.

Newt Scamander, o principal antagonista do vilão, acha mais interessante estudar, proteger e, quando necessário, utilizar animais mágicos para se safar dos perigos. Participar de disputas com seus iguais ou comandar (duas coisas que dignificam o homem segundo Aristóteles) são desprezadas pelo bruxo Scamander. Mas quando o momento se apresenta ele ajuda a salvar Paris se colocando ao lado dos bruxos que combatem o vilão. Newt Scamander é uma antítese do aristotelismo e se recusa a endossar a filosofia escravocrata de Grindelwald.

Apesar de ser uma obra de ficção, o potencial didático e político de “Animais Fantásticos: os crimes de Grindelwald” é muito interessantes. Os professores de segundo podem usar esse filme para, por exemplo, discutir relações de dominação, a filosofia de Aristóteles e, é claro, as propostas neoliberais de Jair Bolsonaro. Afinal, o novo presidente parece acreditar que os brasileiros são “trouxas” e que conseguirá forçar os pobres a se tornarem miseráveis para que os bruxos do mercado financeiro fiquem mais ricos e satisfeitos.

Com qual personagem do filme Bolsonaro se parece mais? Com Grindelwald ou Newt Scamander?

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. Há um dado interessante no

    Há um dado interessante no excelente filme. Newt no início do filme diz “que não tem lado”, tentando fugir da responsabilidade de encontrar o jovem Credence. E quem assume a função é um auror conhecido por sua perfidez. Por fim, um seguidor de Bolsonaro, ops, Grindewald. Após toda a tragédia ocorrida em Paris, Newt abraça o irmão e diz: “escolhi meu lado”. 

     

  2. Animais Fantásticos
    Que matéria sensacional! Muito, muito obrigada! Seu paralelo com a filosofia de Aristóteles foi incrível!
    A medida em que ouvia o discurso do Grindelwald pensei o quanto aquilo se assemelhava com a nossa política atual.
    Em um determinado momento, é possível notar como o personagem mente com suas propostas, pois ele diz que não quer machucar os trouxas, que não quer nada em relação ao ódio, no entanto, no começo havia ordenado a execução de vários, inclusive uma criança. Espero que o presidente eleito se mostre diferente, mas, para mim, de Newt ele não tem nada.

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