Mensalão e agenda setting: “Matrix” na prática

 

Talvez ironicamente a essência do filme “Matrix” (a hipótese da virtualidade do real) já esteja presente no nosso dia-a-dia mais do que imaginamos. A pesquisa “Agenda Setting e a Cobertura dos Casos Mensalão e Cachoeira” feita por estudantes de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi/São Paulo como conclusão do curso “Estudos da Semiótica” apresenta a constatação de que a mídia corporativa não tem mais o poder de eleger presidentes ou forçar impeachments como no passado, mas ela é eficiente em estabelecer pautas e agendas como a do atual julgamento do chamado “Mensalão”.  Se a hipótese da agenda setting for correta, o que chamamos de “realidade” poderia ser uma construção a partir de percepções e cognições fornecidos por um ambiente midiático em que vivemos.

Virtuosismo tecnológico, capas pretas, bullet time e todo o visual ciberpunk marcaram as representações dos mundos virtuais em filmes como “Matrix”: humanos enredados nos véus da ilusão criada por computadores/demiurgos que nos escravizam. Mas descontando todo esse sensacionalismo hollywoodiano em torno da hipótese da virtualidade do real, podemos nos surpreender ao descobrir que a essência do tema de Matrix já está presente em nosso dia-a-dia, tão diluído nos temas das nossas conversas e na indústria de informação e entretenimento que nem nos damos conta: mais do que uma figura retórica, já há muito tempo experimentamos a Matrix na prática!

      Isso é o que demonstra a pesquisa “Agenda Setting e a Cobertura dos Casos Mensalão e Cachoeira”, trabalho de conclusão da disciplina Estudos da Semiótica da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi – UAM/São Paulo (veja video anexo ao post). O grupo formado pelos estudantes da graduação em Jornalismo Ana Carolina Cassiano, Cainã Ito, Camila Albino, Gustavo Carratte e Renata Corona analisou as capas e primeiras páginas dos principais veículos de imprensa de alcance nacional e chegou a uma constatação empírica: até o início do segundo semestre o foco dos veículos como jornais “O Globo”, “Folha de São Paulo”, “O Estado de São Paulo” e de revistas como “Veja”, “Isto É” e “Época” “estava concentrado nas repercussões das denúncias envolvendo o contraventor Carlinhos Cachoeira. O julgamento do chamado Mensalão ainda era pouco comentado”.

Quase nada de Cachoeira e 
exaustiva cobertura do mensalão

       Com a proximidade das eleições municipais, esse foco midiático foi invertido: “quase nada de Cachoeira e exaustiva cobertura sobre o escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores (…) Cachoeira permanecia envolvido em acusações, mas já não tinha seu rosto exposto por tanto tempo na TV, jornais, revistas e sites, tampouco era comentado nas rádios”.

          “Tomando como exemplo a revista Veja seis de suas capas no segundo semestre de 2012, quando já estavam próximas as eleições municipais, foram sobre o caso envolvendo o PT. Além destas, mais três tiveram destaque na capa, com chamadas para ler mais denúncias páginas adentro”.

          Para além dos evidentes exemplos de manipulação no enquadramento e seleção dos acontecimentos – desde a tendenciosa pergunta da pesquisa Datafolha no início de agosto (“os acusados do Mensalão deveriam ser enviados para a cadeia?”) e todo o exagero da cobertura que invertia os princípios básicos da Justiça (“que obriga os promotores a comprovarem a culpa do réu e não o contrário”) – a pesquisa associou a inversão da cobertura no segundo semestre ao fenômeno conhecido como “agenda setting” ou agendamento: a mídia não apenas manipula a realidade, mas, principalmente, altera a nossa percepção da realidade. Pode parecer uma diferença sutil a existente entre os termos “manipulação” e “percepção”, mas ela é decisiva por ser mais insidiosa e profunda.

A Hipótese do “agendamento”: já vivemos na Matrix

          Embora o conceito de “agenda setting” tenha sido formulada somente na década de 1970 pelos pesquisadores norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw em estudos que analisavam a influência das mídias nas eleições presidenciais dos Estados Unidos em 1968, seus princípios básicos começaram a ser traçados em 1922 pelas teses levantada pelo jornalista Walter Lippmann.

          Para Lippmann a opinião pública não reagia diretamente aos fatos do mundo real, mas vivia em uma espécie de “pseudoambiente” formado principalmente por “imagens em nossas cabeças” (LIPPMANN, W. Public Opinion). A mídia teria um papel central na estruturação desse pseudoambiente e fornecimento das imagens.

Em 1963 Bernard Cohen deu uma premissa moderna a essa ideia esboçada por Lippmann: “Na maior parte do tempo a imprensa pode não ter êxito em dizer aos leitores o que pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar” (COHEN, B. Press and Foreign Policy). Em outras palavras, a mídia seria péssima em impor conteúdos ou persuadir a opinião pública a tomar um posicionamento “A” ou “B”, mas ela seria ótima em criar uma hierarquia de temas supostamente com pertinência social para ser discutida.

Dessa maneira, Cohen destacou a onipresença da mídia como eficiente modificadora e formadora de opinião a respeito da realidade. Em consequência da pauta de temas criados pelas mídias o público sabe ou ignora, presta atenção ou ignora, realça ou negligencia certos elementos dos cenários públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que as mídias incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público pode atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelas mídias aos acontecimentos, problemas e às pessoas. A pauta de fixação feita pelos meios de comunicação perdura no público. Os assuntos nela evidenciados serão comentados pelas pessoas que acabarão julgando os fatos de acordo com essa pauta e percebendo uma realidade social diferenciada.

O filme “Obrigado por Fumar” (Thank You For Smoking, 2005) apresenta didaticamente essa estratégia que está além da manipulação simples pela imposição de determinado posicionamento ideológico: se as pessoas querem ou não fumar cigarro, essa seria uma questão que a mídia teria muito pouca influência. Mas ela seria eficiente em fixar a pauta do tabagismo como tema pertinente para a opinião pública. O filme ironicamente apresenta como a indústria tabagista estaria por trás tanto de pesquisas que demonstrem os malefícios como as que refutam os danos maiores do cigarro. O que importa é que o tema tabagismo ganhe espaço e visibilidade midiática.

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Luis Nassif

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