Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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“Clube da Luta” busca Iluminação na Violência


A atmosfera distópica e niilista do filme “O Clube da Luta” (Fight Club, 1999) do diretor David Fincher (“A Rede Social”) cria um cenário trágico, mas, principalmente, ambíguo. O filme parece ter sido composto dentro de uma “zona cinza”, entre a vida obscura e anônima onde alimentamos sonhos de consumo e a busca de alguma saída messiânica, negativa e totalitária. A narrativa procura o meio termo: a busca da iluminação espiritual por meio da busca de si mesmo através do silenciamento do corpo e do pensamento, nem que seja através da violência. Buscar a iluminação através do desprezo pelo “mísero composto universal” do qual fazemos parte.


Incomunicabilidade, alienação e impossibilidade de transformação são temas recorrentes na filmografia do diretor David Fincher: entre o recente “A Rede Social” (onde um gênio em algoritmos de Havard com grande dificuldade em se relacionar desconta sua ansiedade difamando pessoas em um blog) e o mais antigo “Vidas em Jogo” de 1997 (um milionário frio e solitário é submetido a um tratamento de choque por meio de um “roller play game” contratado pelo irmão na esperança de conscientizá-lo), temos o cultuado e enigmático “Clube da Luta” com os mesmos temas, porém carregado de uma ambiguidade explosiva como veremos abaixo.


Baseado no livro homônimo de Chuck Palahniuk de 1996, para Fincher o grande tema de “Clube da Luta” era a emancipação assim como os filmes “A Primeira Noite de um Homem” (The Graduate, 1969) ou “Juventude Transviada” (Rebel Whithout a Cause, 1955), mas, dessa vez, para jovens adultos na faixa dos 30 que vivem na sociedade atual que impede o amadurecimento: “fomos projetados para sermos caçadores, mas vivemos em uma sociedade de shoppings. Não há mais pelo que caçar, pelo que lutar, superar ou explorar. No interior dessa sociedade da castração é que foi criado o protagonista do filme”, afirma Fincher para completar: “para o protagonista encontrar a felicidade o único caminho possível será viajar através de uma iluminação no qual mate seus familiares, seu deus e seu professor” (VEJA Smith, Gavin (Sep/Oct 1999). “Inside Out: Gavin Smith Goes One-on-One with David Fincher”. Film Comment 35 (5): pp. 58–62, 65, 67–68.)



 

Jack: o mal estar do consumismo –
insônia e terapias grupais

 

Jack (Edward Norton) é um executivo yuppie que trabalha como investigador de seguros de uma grande empresa. Tem uma vida consumista e valores superficiais. Vive em constantes crises de insônia e extravasa sua ansiedade em sessões de terapia grupal, ao lado de gente com câncer, tuberculose e outras doenças, pois é só no meio de moribundos que Jack se sente vivo e assim consegue dormir. Esse paliativo é interrompido pela chegada de Marla Singer (Helena Bonham Carter), uma viciada em heroína, café e cigarros com ideia fixa de suicídio.


Repentinamente entra na sua vida Tyler Durden (Brad Pitt). Eles se conhecem em um voo e mal se falam, mas quando o apartamento de Jack explode misteriosamente ele vai morar com Tyler, que vive em um casarão caindo aos pedaços. Tyler lhe oferece uma perigosa alternativa: por à prova seu instintos em combates corporais. Assim nasce o Clube da Luta, que ganha diversos adeptos onde aliviam suas tensões arrebentando a cara uns dos outros. Com o tempo, Tyler demonstra que seus planos vão além da criação do Clube, uma mania que ganha adeptos no país inteiro: Tyler sonha em concretizar o seu “Projeto Caos” – um projeto de terrorismo e sabotagem cujo objetivo final é zerar todos os débitos do sistema financeiro mediante a destruição dos prédios das empresas de cartão de crédito. Com o passar do tempo, estranhos déjà vus e lapsos temporais vão crescendo a suspeita de que, na verdade, Jack e Tyler são a mesma pessoa, os dois lados de uma personalidade dividida por uma clivagem esquizofrênica.


Iluminação espiritual através da luta


“Jack não tem diante dele um mundo de possibilidades, por isso não consegue imaginar uma forma de mudar sua vida”, diz Fincher, a não ser criando o alter-ego esquizofrênico Tyler Durden na sua mente. Durden é um super-homem nietzchiano: para ele não devemos ter nenhum compromisso ético ou moral com esse mundo (“um mísero composto universal da qual fazemos parte”) que apenas nos enfraquece e castra. Portanto, devemos alcançar a disciplina em sistematicamente perdermos todos os vínculos com o cosmos físico para alcançar a liberdade.


Tal é a proposta do Clube da Luta. “O quanto conhece a si mesmo se nunca entrou numa luta?”. Esta questão formulada por Tyler no filme Clube da Luta dá a dimensão simbólica do jogo da Luta para a narrativa. O Clube da Luta é o tema central em torno do qual todos os caminhos de busca da gnose partem. O caminho para encontrar a verdade está dentro de si mesmo, na procura do silêncio interior pela negação da linguagem, do pensamento, pela procura do silêncio e do grau zero de sentido.

A Luta: dor, disciplina e ascese

A Luta tem um aspecto de disciplina, ascese, tal qual um mantra onde os pensamentos e a racionalidade são subjugados à disciplina da repetição até que se convertam no oposto: o estado de suspensão de sentido para a libertação da consciência. Faz parte dessa emancipação o descarte de todo que é externo ao ser: “Você não é a sua conta bancária. Nem as roupas que usa. Você não é o conteúdo da sua carteira. (…)”. A partir do momento em que o apartamento de Jack é misteriosamente destruído por um incêndio, acaba a sua vida consumista. Muda-se para o casarão de Tyler, caindo aos pedaços, e, em pouco tempo, estão se esmurrando na frente de um bar. Jack vai perdendo tudo, do apartamento ao seu próprio corpo. “Isso é liberdade. Quando perde todas as esperanças, então você está livre”. A dor impingida a si mesmo no Clube da Luta é o último descarte para alcançar a gnose: o distanciamento da dor do próprio corpo, a disciplina e concentração necessária para alcançar o silêncio interior. Este parece ser o caráter marcial do Clube da Luta, um jogo onde nem a individualidade mais interessa porque “todos fazemos parte de um mísero composto universal”, como anuncia Tyler.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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