Desafios do MinC para o segundo decênio do século XXI*

O cenário cultural brasileiro vive um grande momento, o que no olhar do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, só reflete o trabalho empreendido durante os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 – 2010). Em entrevista à revista Princípios (Edição de janeiro de 2011 n° 110), Juca Ferreira diz que os objetivos principais da gestão foram alcançados. Dentre eles, o ex-ministro destacou o desenvolvimento cultural, fortalecimento do corpo simbólico, acesso aos segmentos da cultura e o fortalecimento da economia da cultura.  

Ainda no final de 2010, o Congresso Nacional aprova o Plano Nacional de Cultura (PNC), transformado na Lei 12.343/10. Discutido na Câmara desde 2006, o PNC tem como objetivo apontar estratégias e ações para a política cultural do Brasil. De acordo com informações do MinC, a nova lei define princípios e objetivos para os próximos dez anos, discrimina os órgãos responsáveis pela condução das políticas e define critérios de financiamento para os agentes participantes do processo.

Tais avanços sinalizam os desafios que a nova presidenta, Dilma Rousseff, e a sua ministra da Cultura, Ana Hollanda, terão que assumir nos próximos quatro anos. Em seu último dia como ministro da Cultura, Juca Ferreira divulgou carta à imprensa na qual externava que muito foi feito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Fomos além do dever e das obrigações. Dedicamos-nos de corpo e alma. Mas não me iludo, sei que muito ainda se poderia fazer e que muito precisa ser feito pela cultura de nosso país (…) a cultura brasileira, na gestão do governo Lula, passou definitivamente a ser tratada como primeira necessidade de todos, tão importante quanto comida, habitação, saúde”, finaliza o ex-ministro.

A trajetória do setor cultural

Historicamente pensado a partir do conceito de identidade nacional, o setor cultural brasileiro sofreu neste início de século muitas transformações, que possibilitaram mudanças tanto no panorama político como na economia nacional. Globalização, desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e a organização dos movimentos sociais também são ações que contribuem para tais transformações, o que por um lado torna a cultura proativa e por outro intensifica a consolidação de um sistema de cultura que se torna cada vez mais atrelado ao sistema de mercado.

Tais transformações têm como ponto sensível a vitória de um metalúrgico para presidente da República em 2002, e o que rompe com modelo construído ao longo do século XX e sinaliza a trajetória que o país viria tomar. Os movimentos sociais e sindicatos assumiriam o protagonismo e influenciam tanto o setor político-econômico como o setor cultural.

O ex-secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (MinC), Célio Turino, destaca que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2010) encontrou um Estado necessitado de reestruturação, especialmente na área cultural. Ele salienta que o Brasil toma um novo rumo neste primeiro decênio, visto que durante muito tempo o Brasil apresentou um quadro muito irregular no que se refere às políticas culturais, sem uma dimensão mais completa e ampla da cultura enquanto categoria de desenvolvimento. Ele lembra que “era preciso pensar em uma mudança de paradigma no que se refere à política cultural no país, de forma a ver a cultura não só como expressão dos artistas e da Arte”.

Célio Turino, que foi um dos idealizadores do programa cultura Viva, acrescenta que quando assumiu seu cargo no Ministério, em 2004, observou o que seria necessário para pensar a cultura a partir de uma concepção viva. “Nosso primeiro passo foi pensar a cultura como expressão antropológica, enquanto arte, mas também enquanto cidadania e economia. A partir daí iniciou-se a construção de um sistema orgânico de produção cultural, base da idéia dos pontos de cultura. Então, identificamos o que já era feito pela sociedade e articulamos em rede. Agimos para quebrar as hierarquias culturais praticadas historicamente no Brasil”, explica Turino.

Neste sentido, segundo o ex-secretário, o governo Lula representou uma mudança fundamental do modelo de gestão cultural no Brasil praticado até então.  “O MinC assumiu um papel mais presente e participativo no setor cultural, propondo novas diretrizes para o desenvolvimento das políticas culturais, rompendo com tradições históricas deste setor. Mas importante salientar que houve muitos avanços, mas ainda há muito por fazer”, complementa ex-secretário MinC.

O pesquisador da Universidade Federal de Sergipe, César Bolaño, organizou, em 2010, o livro Economia da Arte e da Cultura. A coletânea realizada por diversos pesquisadores da área deixa claro que o maior desafio do Estado era o de reescrever o cenário que antigos governos construíram ao longo de mais de meio século. “Quando olhamos para as ações do MinC fica claro que houve uma reestruturação. Um exemplo, são os variados programas culturais criados nesta última década, incluindo os ‘Pontos de Cultura’ e ‘Cultura Viva’. Essas práticas podem gerar experiências que podem colaborar para o desenvolvimento do setor, porém Estado, sociedade civil e mercado devem ter seus pápeis definidos no processo. De forma a assegurar que todas os setores se beneficiem das possibilidades abertas por estes projetos”, finaliza Bolaño.

Ele acrescenta que exemplos como o governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), com suas reformas de corte neoliberal, vão à contramão do desenvolvimento das políticas públicas culturais. Um exemplo foi a “extinção de intuições como o Ministério da Cultura (criado em 1987), da Fundação do Cinema Brasileiro (criada em 1985) e a Embrafilme (1969), esta última que cumpria a função de financiamento, distribuição e exibição de filmes nacionais. O governo de Fernando Henrique Cardoso (1998-2002), também promoveu mudanças, porém estas salientaram ainda mais as diretrizes neoliberais, que regularam setor cultural pelo ritmo de mercado. Além do que tinha como maior fonte de investimento a renúncia fiscal, através da Lei Rouanet”, expõe o pesquisador.

A pesquisadora da Universidade de Brasília Dácia Ibiapina comenta que desde o governo FHC as políticas públicas de renúncia fiscal vêm sendo adotadas como as únicas ou as mais importantes formas de fomento à cultura no Brasil. “A renúncia fiscal, por exemplo, tem sido uma das poucas fontes de investimento no cinema brasileiro. Elas têm vantagens e desvantagens. Uma das vantagens é que os produtores culturais têm pelo menos uma alternativa segura para viabilizar seus projetos culturais. A desvantagem é que pode gerar acomodação, tanto dos produtores, quanto do público. São poucos os espectadores que se lembram que o filme brasileiro que eles estão assistindo, e pelo qual pagou um ingresso, foi feito com dinheiro público. A renúncia fiscal deve ser uma das políticas públicas de incentivo à cultura, mas não a única.”, alerta ela.

*Texto originalmente publicado na Revista Visão Classista, da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

Luis Nassif

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