“estórias mínimas” / lançamento

É possível fazer literatura em 140 caracteres? A resposta está — ou não — nas páginas do meu novo livro, “estórias mínimas” (editora 7Letras, 100 páginas, R$ 29). São microcontos de apenas duas ou três linhas, mas muitas entrelinhas — originalmente publicados no Terra Magazine — que falam de desejo e solidão, amor e crueldade, vida, paixão e morte. O lançamento é hoje (quinta-feira, 3 de  fevereiro), a partir de 19h30, na livraria Café com Letras (203 Sul, Brasília). E aqui vai uma amostra-grátis:

OS MORTOS NÃO ENVELHECEM
Meu pai me olha do porta-retrato, jovem para sempre. Sorri, mas vejo nele o horror de quem olha um velho que outro dia carregou no colo.

ABRAÇO PARTIDO
Lava carros o dia inteiro, com o único braço. Só sente falta do membro amputado quando chega em casa, e abraça pela metade a mulher amada.

PAIXÃO E FÉ
Eu de joelhos, rezando, ele vem, rasga, levanta meu vestido, bate na minha bunda, me pega por trás, não, ele não vem, e eu de joelhos, rezo.

CORAÇÃO MATERNO
Nada mais triste que a mãe enterrar o filho. Mas aquele bem que mereceu: ele já com a boca cheia de terra e ainda me xingando com os olhos.

SÃO PAULO, SÃO PAULO
Deitados em papelão sob marquise de loje de grife. De manhã os enxotarão a golpes de água fria. Mas agora tanto beijo até enfeita a cidade.

O FIM DO MUNDO
Soube, por fonte, segura, que o fim estava próximo. Bebeu, fumou, cheirou, chorou, trepou, comeu, fodeu e deu. Até hoje processa o profeta.

TEMPORAL
Quando chegou em casa, já não tinha casa.

SOLIDÃO (Nº 1)
Foi embora e não levou nada — só tudo o que eu tinha.

A ONÇA
Debaixo da cama a onça velava o sono do menino. Ontem voltei à casa de infância: a onça já não tinha dentes; os pesadelos comeram-me a alma.

A VIAGEM DO INFELIZ NAVEGANTE
Para esquecer o grande amor, tornou-se marinheiro. Cruzou sete mares, até o fim do mundo. Inútil: era sempre a mesma mulher em cada porto.


Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador