História do Brasil Nação: O engodo da civilização

Rosane Pavam, Carta Capital: O engodo da civilização

A abertura para o mundo (1889-1930)
Lilia Moritz Schwarz (org.)
Objetiva, 344 págs., R$44,90

Brasil, país do futuro. Em 1902, vinte anos antes que a Semana de Arte gritasse nossa modernidade, os pedreiros batucaram preocupados os alicerces da avenida Central, no Rio de Janeiro. É que o presidente Rodrigues Alves lhes impusera um desenho de beleza europeia meio complicado de fazer. Felizmente, depois de dois anos bem erguidos, o novo urbanismo tinia aos olhos dos passantes. Deu tudo certo, ou quase tudo. Durante o processo de construção da avenida, o único prédio que desabou por erro de cálculo foi o do Clube de Engenharia.

Sem máscaras. Euclides da Cunha, desconstrutor da falsa realidade de uma belle époque a mimetizar Paris

Em 1912, diante das maravilhas deste Rio que se jactava de umabelle époque à moda de Paris, notada, por exemplo, na tonitruante escadaria fotografada por Marc Ferrez, o fidalgo alemão Alexander von Papen ouviu a história do clube dos engenheiros e se matou de rir. Foi advertido de que aquilo não era piada, apenas o Brasil. O que fez o escritor Mendes Fradique raciocinar: “O humorismo tem objeto no contraste direto entre o que é e o que deverá ser. Ora, no Brasil, tudo é precisamente como não deverá ser, de modo que se torna impossível este contraste e, portanto, igualmente impossível o humorismo.” Dilema complicado, diz o historiador Elias Thomé Saliba, colaborador de CartaCapital, no terceiro volume da bem-vinda coleção História do Brasil Nação. No Brasil, a realidade supera a anedota? Ou o humor já faz parte da vida?

No volume, analisa-se a história brasileira entre 1889 e 1930, precisamente quando o sonho de modernidade ensaia passos trôpegos, muitas vezes amargamente humorísticos, rumo ao golpe das ilusões democráticas. Lilia Schwarcz –encarregou -se- de ver tudo isto refletido na população, Hebe Mattos, na política, Francisco Doratioto, no mundo, Saliba, na cultura. Tudo muito difícil, para começar. País de analfabetos, funcionais ou iletrados, de escravos libertos pela lei, mas soltos sem identidade ou trabalho pelos morros que então sedesfaziam por ação deliberada, vítimas da diarreia e da imposição da vacina, os brasileiros não eram aquilo que os belos olhos da elite reclamavam ver. No tempo em que o jornalismo espelhava a seriedade, sem que os livros proliferassem em vendas, o escritor Euclides da Cunha surgiu para desmascarar o caráter falso da modernidade republicana. Diante do profundo Brasil, sua frase definiu-se: “Vivemos num ambientecompletamente fictício de uma civilização de empréstimo.”

 

sitio OBJETIVA: 

A abertura para o mundo: 1889-1930

O terceiro volume da coleção História do Brasil Nação.

A abertura para o mundo: 1889-1930

Vol. 3, coleção História do Brasil Nação

Organização de Lilia Schwarcz

O terceiro volume da coleção História do Brasil Nação aborda um momento de características tão dramáticas quanto decisivas para o futuro do país: a virada do século XIX para o século XX. Com o fim da escravidão, em 1888, e a deposição de d. Pedro II, em 1889, surge um cenário propício a todo tipo de utopias e projeções. 

O recém instituído regime republicano gerou enormes expectativas. Findas as formas de trabalho escravo e abertas as possibilidades de acesso à cidadania e inclusão social, imaginou-se um mundo mais justo, não mais cerceado pela estrita hierarquia social do Império ou por critérios de origem ou nascimento. Havia um desejo premente de alcançar a modernidade, inspirada em modelos civilizatórios europeus, sobretudo franceses. 

A este cenário junte-se a consolidação de teorias raciais discriminatórias, manifestações sociais de grande porte, impactantes remodelações do espaço urbano e práticas clientelistas. Inclusão e exclusão social são, portanto, características igualmente marcantes desse contexto.

Para dar conta de tamanha complexidade, cinco importantes pesquisadores — Hebe Mattos, Francisco Doratioto, Gustavo Franco, Luiz Aranha Corrêa do Lago e Elias Saliba —, reunidos sob a coordenação de Lilia Moritz Schwarcz, também diretora da coleção, compõem, neste volume, um instigante painel da vida política, da sociedade, da economia, das relações internacionais e da cultura entre os anos de 1889 e 1930. 

Sobre a coleção HISTÓRIA DO BRASIL NAÇÃO: 1808-2010

A coleção História do Brasil Nação não apenas propõe uma nova leitura sobre a história do Brasil, mas proporciona as chaves para o estudo de suas conexões com a América Latina. Contando com o primoroso trabalho de renomados especialistas e a seleção de farto material iconográfico, cada volume apresenta diferentes aspectos da realidade brasileira em seus últimos duzentos anos a partir de perspectivas econômicas, políticas, sociais e culturais. 

Parte de um projeto maior — intitulado América Latina na História Contemporânea — que se estende por todo o continente americano e vários países europeus, a coleção é uma iniciativa pioneira no campo historiográfico e documental e referência obrigatória para todos que estudam ou se interessam pela nossa história. (http://www.objetiva.com.br/livro_ficha.php?id=1151).

 

Comentário meu no site da Carta Capital:

Prezados geonautas,

Tenho a impressão que o livro deve ser de primeira qualidade, visto que, Lilia Moritz Schwarcz, nos anos 90, era Presidente do Conselho Editorial da Objetiva, período na qual, Fernando Novais foi o Coordenador da Coleção “História da Vida Privada no Brasil”. Lilian hoje é Coordenadora desta Coleção “História do Brasil Nação”. Li o texto do livro disponível para download no site da Objetiva, da Lilian (População e Sociedade: http://www.objetiva.com.br/livro_ficha.php?id=1151).

Citando o que não vi na bibliografia do texto, como diria Chico Buarque, “o meu guru”, Raymundo Faoro  (Faoro é um outsider da vida universitária, um não mainstream da Academia e do “academicismo”):

(p:4)

(…) “Num conto de 1884, Machado de Assis faz a caricatura do ciclo ferroviário, tocando em suas três notas. Em primeiro lugar, a estrada de ferro é o progresso: ” o Brasil está engatinhando, só andará com estradas de ferro”. Depois, a estrada de ferro é a própria indústria. Em terceiro lugar: o País deve dedicar-se “exclusivamente — notai que digo exclusivamente, diz o personagem, enfaticamente — aos melhoramentos materiais”. O advérbio exclui a questão servil e o debate institucional.

(p:5)

As estradas de ferro não trouxeram o progresso, nem o País começou a andar.”

Apud Raymundo Faoro: A questão nacional: a modernização, Conferência IEA-USP, 1992.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141992000100002&script=sci_arttext

Rubem Alves:

(…) “A ciência é um fato social, como muitos outros, tais como religião, família, exércitos, partidos políticos: instituições que se organizaram em torno de certos problemas e estabeleceram regras para o seu funcionamento”. (…) “Imagine as várias divisões da ciência – física, química, biologia, psicologia, sociologia – como técnicas especializadas. No início pensava-se que tais especializações produziriam, miraculosamente, uma sinfonia. Isto não ocorreu. O que ocorre, freqüentemente, é que cada músico é surdo para o que os outros estão tocando. Físicos não entendem os sociólogos, que não sabem traduzir as afirmações dos biólogos, que por sua vez não compreendem a linguagem da economia, e assim por diante.”

(…) “Preconceito e resistência parecem ser mais a regra do que a exceção no desenvolvimento científico avançado.”

Miguel de Unamuno:

“As variações da ciência dependem das variações das necessidades humanas, e os homens de ciência costumam trabalhar, quer queiram, quer não, consciente ou inconscientemente, a serviço dos poderosos ou do povo, que lhes pedem confirmação de suas aspirações.”

Rubem Alves: Filosofia da Ciência, 1981.

Sds,

La nave va

Redação

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