Histórico em SP, ‘Bar do Museu’ corre risco de fechar

Da Folha.com

Fantasma do fechamento ronda antológico bar do Museu em SP

MARINA LANG
DE SÃO PAULO

Um local que marcou a história das artes e da boemia paulistana desde meados de 1948 corre, agora, o risco de fechar as portas por dificuldades financeiras.

“Esse bar é pequeno, mas carinhoso”, já disse um cronista da cidade de São Paulo. “Mas, se você não for artista, nem souber entender os artistas, pode frequentá-lo um ano que sempre se sentirá um estranho.” Foi essa a legenda que acompanhou a foto estampada, em 19 de dezembro de 1957, na capa da “Folha da Noite”.

Mais tarde, os três jornais do grupo –“Folha da Manhã”, “Folha da Tarde” e “Folha da Noite”– foram unificados na “Folha de S.Paulo”, conforme simbolizam as três estrelas gráficas que compõem a marca da Folha.

Dentro, a edição “do vespetino dos lares” trazia extensa reportagem sobre o Museu de Arte Moderna, intrinsecamente ligado a um certo clubinho, que agregava nomes como o do industrial e mecenas Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), o Ciccillo, e de sua mulher, Yolanda Penteado (1903-1983).

Outros frequentadores do bar da Associação dos Amigos do Museu de Arte Moderna (Aaman) foram, por exemplo, os pintores Tarsila do Amaral (1886-1973) e Di Cavalcanti (1897-1976).

Na época, o bar era uma sociedade que juntava artistas, intelectuais, escritores e políticos nos moldes de clube de cavalheiros e na qual se pagava uma mensalidade para frequência.

Teve três sedes distintas até, finalmente, se instalar na sobreloja de um prédio na avenida Ipiranga, há 34 anos.

O tempo passou, os sócios foram morrendo ou se afastando. Restou apenas Clarice Berto, 65, frequentadora desde 1972 (leia na pág. F11). “Sou apaixonada por isso aqui, por tudo. Todos os dias, parece que estou entrando noutro mundo. Tem bom astral”, diz ela, que é secretária aposentada.

O acesso é um pouco difícil, na sobreloja de um edifício comercial que fica entre o Terraço Itália e o Copan, nos fundos -a reportagem se perdeu duas vezes para chegar lá. No prédio, é preciso se cadastrar com RG na portaria.

Entrar lá é como ingressar num universo paralelo. Meia-luz, carpete vermelho, obras de arte espalhadas, tudo mantido de maneira impecável dentro das possibilidades.

O que é um fiel retrato da boemia antiga, de um passado que se mantém resguardado, de canções compostas e de poesias escritas em guardanapos de papel, parece sucumbir à própria efemeridade do tempo.

Afinal, a oferta de bares em São Paulo é prolífica. Hoje, o bar do Museu restringe-se a pouquíssimos frequentadores que se servem de drinques com porções de pastel.

CONSTELAÇÃO ARTÍSTICA

Nos dias de glória, vários nomes passaram pelo bar (veja na pág. F11), caso do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

À Folha a escritora Lygia Fagundes Telles disse que foi uma vez ao bar, apenas na inauguração. Mas a própria Clarice Berto se recorda de outros. “Vinicius de Moraes [compositor e poeta] veio aqui. Deixou a malinha no canto do bar. Na época, para mim, isso não queria dizer nada. Depois que você fala: puxa!”, diverte-se. “Vi o [roqueiro e compositor] Raul Seixas duas vezes por aqui.”

Outra figura que passeou pelo bar do Museu foi Chico Buarque, de acordo com ela. “O pessoal gostava do pai dele [o historiador Sérgio Buarque de Holanda]. Ele vinha cantar e o pessoal falava: ‘Ih! Chegou o filho do Sérgio’. E não deixava muito ele cantar porque achava ele desafinado”, conta, entre risos. “Então, de vez em quando, deixavam o Chico cantar alguma coisa, terminava e o pessoal falava: ‘Ai! Graças a Deus’. Porque ele tinha aquela vozinha morna… O pessoal estava acostumado com o [cantor e locutor] Jair Amorim. E, no entanto, o cara é um crânio.”

Clarice Berto afirma: “Não estava deslumbrada com Cauby [Peixoto], Chico Buarque ou Vinicius de Moraes. Não eram meus conhecidos nem meus amigos, mas eu os vi por aqui, sim”.

“Espero conseguir retaguarda de um órgão cultural, nunca obtive nenhum patrocínio. Esse local não pode acabar. Não é um simples bar. Nunca foi”, analisa ela.

BAR DO MUSEU
ONDE: Avenida Ipiranga, 324 – Bloco C – Centro – São Paulo
QUANDO: segunda à sexta, das 18h às 21h
TELEFONE: 0/xx/11/3259-0157
SITE: amigosdomam.wordpress.com

Luis Nassif

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