Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Hollywood produz mais filmes-catástrofe em épocas de crise global

 

Pesquisando o banco de dados das produções cinematográficas por gênero do IMDB (Internet Movie Data Base) descobrimos uma curiosa recorrência: os filmes-catástrofe, gênero fílmico surgido na década de 1970, encontra seu pico de produção a cada contexto de crises econômicas globais. Vivemos atualmente a terceira grande onda de filmes desse gênero que coincide com a crise da Zona do Euro. Será apenas coincidência? Historicamente Hollywood moldou o imaginário social por meio de uma tática de deslocamento: a transformação em “objeto fóbico” de tudo aquilo que nos causa medo e repulsa. Com os filmes-catástrofe temos a confirmação disso: a naturalização das crises por meio dos cataclismos geológicos ou cósmicos ficcionais e a criação de uma fobia ou medo coletivo por qualquer aspiração por mudança.

O cinema sempre teve uma íntima ligação com os momentos históricos de crise, sejam elas econômicas, políticas ou sociais. Podemos considerar o cinema um perfeito sismógrafo das tendências implícitas da sociedade que o produz, como solução imaginária de tensões sociais ou ainda como sintoma coletivo. A análise dos filmes, principalmente no que se refere à evolução dos seus gêneros (terror, sci-fi, drama etc.), são excepcionais por revelar verdadeiros sintomas sociais. Como veremos, é o caso do gênero disaster movies, ou “filmes-catástrofe”.

Desde o início, nos dois lados do oceano Atlântico, o cinema mostrava essa excepcional característica sismográfica. Filmes expressionistas alemães como “O Gabinete do Dr. Caligari” de Robert Wiener (1920), “Nosferatu” de F.W. Murnau (1922), “Dr. Mabuse, O Jogador” (1922),  “Metrópolis” (1926) e “O Vampiro de Dusseldorf” de Fritz Lang com suas atmosferas de pesadelo dominadas por linhas e planos tortuosos coincidiam com a turbulenta fase da República de Weimar na Alemanha e anunciavam a chegada iminente do nazismo.

Enquanto isso nos EUA, a economia mais poderosa do capitalismo era quebrada pelo crash de 1929 que trouxe um fenômeno surpreendente: a retomadas dos investimentos cinematográficos e a acelerada expansão de Hollywood, principalmente com a sonorização dos filmes. Aparentemente um paradoxo: a multiplicação das salas de cinema e dos espectadores em meio a uma conjuntura de desemprego e depressão econômica. É o caso da Warner Bros., à beira da falência em 1927, refaz a fortuna em plena depressão econômica dos anos 1930 através do cinema falado.

Cinema como sismógrafo da História: o
expressionismo alemão anunciava
a chegada do nazismo

Filmes como “As Vinhas da Ira” (1940) de John Ford, o retrato dos desempregados que vagavam pelo país à procura de meios para sobreviver, os heróis idealistas e otimistas dos filmes de Frank Capra ou gêneros simplesmente escapistas como os musicais eram o remédio hollywoodiano para almas desesperançadas.

                Se na Europa o cinema mostra-se como sismógrafo de uma conjuntura turbulenta, nos EUA sua aplicação é mais prática: como solução imaginária para as crises. Isso se mostrou evidente na Segunda Guerra Mundial nos esforços de propaganda de Hollywood, onde o soldado norte-americano era glamurizado e super-heróis dos quadrinhos (Super-Homem, Capitão América etc.) tornam-se a resposta de contra-propaganda aos novos super-heróis promovidos pela propaganda nazi.

Cinema e objeto fóbico

                A partir do pós-guerra, o cinema principalmente hollywoodiano assume outra função: a de sintoma. Mais precisamente, a de expiação daquilo que em psicanálise entende-se por “objeto fóbico”. Temas recorrentes como a invasão de alienígenas seja por meios de tecnologias avançadas (“A Invasão dos Discos Voadores”, 1956) ou por contaminação viral (“Vampiros de Almas”, 1956), monstros resultantes de mutações genéticas nucleares (“O Mundo em Perigo”, 1954) ou a simples revolta da natureza (“Os Pássaros” (1963) de Hitchcock) prenunciam essa função imaginária de expiação daquilo que nos causa medo ou repulsa.

                É o habitual fenômeno de deslocamento de Hollywood onde a ansiedade e medo coletivo da guerra nuclear e da guerra fria são transferidos para um objeto fóbico representados por invasores alienígenas, formigas gigantes ou pássaros assassinos.

                Mas esse conceito de “objeto fóbico” é muito mais complicado: não se trata simplesmente de medo a um objeto. O próprio medo e o objeto, em si, já são sintomas. Como Freud afirmava em 1909, “aquilo que é hoje o objeto de uma fobia, no passado deve ter sido também a fonte de um elevado grau de prazer” (Cf. FREUD, S. “Análise de uma fobia de um menino de cinco anos”, Capítulo III parte II).

As ondas de filmes-catástrofe        

Formigas, monstros e aliens foram fontes de prazer no passado? Não exatamente isso, mas o que eles representavam: a produção da crise e a possibilidade da ruptura de uma ordem.

                Isso pode ser explicado melhor com o surgimento do gênero “filme-catástrofe” nos anos 1970. Filmes sobre catástrofes (incêndios, maremotos, terremotos, panes tecnológicas, enchentes etc.) que surgiam de repente e abalavam a harmonia de uma comunidade começam a se multiplicar desde o filme “Aeroporto” (1970). Seguem-se “O Destino de Poseidon” (1972), “Terremoto” (1974), “Inferno na Torre” (1974), “Heat Wave” (1974), “Aeroporto 1975”, “Flood!” (1976) entre outros.

                Depois de décadas de crescimento e estabilidade econômica no pós-guerra, os anos 1970 foram marcados pela aceleração da inquietude com a crise do petróleo associado às sucessivas derrotas norte-americanas do Vietnã, conflitos raciais, o escândalo de Watergate e a moratória disfarçada de Nixon ao romper o acordo de Breton Woods e decretar o fim do lastro-ouro para o dólar.

                Segundo Ignácio Ramonet, esse gênero de blockbuster teria o papel habitual de “deslocamento”: as calamidades fílmicas teriam a função de “criar um objeto fóbico que permitiria ao público localizar, circunscrever e fixar a formidável angústia ou estado de aflição real suscitado pela situação traumática da crise” (Veja RAMONET, Ignácio. Propagandas Silenciosas. Petrópolis: Vozes, 2002, p.86).

                Se acompanharmos a produção dos filmes desse gênero veremos que os picos de produção localizam-se exatamente em contextos históricos de crise econômica. Trabalhando com uma amostragem de 200 filmes do banco de dados do IMDB (Internet Movie Data Base) referente à produção de disaster movies entre 1970-2013 em torno de 1.500 no total percebe-se nitidamente isso – veja tabela abaixo.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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