Lasar Segall no Sesc, por Walnice Nogueira Galvão

Mesmo que você já tenha visto exposições desse artista e frequente seu museu em São Paulo, nada o prepara para o impacto

Obra de Lasar Segall

Lasar Segall no Sesc

por Walnice Nogueira Galvão

Mesmo que você já tenha visto exposições desse artista e frequente seu museu em São Paulo, nada o prepara para o impacto. Com ênfase na cor, a mostra suscita nova perspectiva sobre a beleza da obra. 

A começar pelo próprio local, que é a recém-inaugurada unidade do Sesc, no coração gangrenado de São Paulo, à 24 de Maio 109, pertinho de uma de suas mais simbólicas esquinas, a da Ipiranga com São João. A planta térrea é devassada como uma galeria, confirmando o propósito de abrir-se para a rua – ou de deixar a rua penetrá-la. Tem vocação de praça pública, nos seus 17 andares, mais 2 subsolos e o térreo: uma plataforma democrática, pois é aberto aos transeuntes que singram em todos os sentidos ou flanam por ali. E oferece bancos para aboletar-se quem quiser, sem restrições. Com esse objetivo em mente, o projeto de Paulo Mendes da Rocha, todo em vidro transparente, é impecável, além de lindo. No último andar aloja-se uma piscina, convidativa nestes dias de canícula, de onde se descortina uma vista panorâmica da metrópole. Mais uma vez, o Sesc dá exemplo de cidadania, contribuindo para a revitalização do problemático miolo urbano.

O local previsto para exposições, no 5º andar, atrai logo pela beleza e pelo despojamento. Sem falar nas dimensões generosas: quem poderia levar-lhe a palma em tamanho, talvez o Masp de Lina Bo Bardi? talvez a Oca e a Bienal de Oscar Niemeyer?

A mostra propriamente dita, Ensaio sobre a cor, tem mote de Jorge Schwartz, que dirigiu o Museu Lasar Segall nos últimos dez anos e escolheu a curadora, Maria Alice Milliet. Só o mote já faz parar para pensar, porque é tema, a rigor, estético, e não de assunto, como  costumam ser as mostras de Segall, que se concentram em autoretratos e retratos, imigrantes, judeus e judaísmo, o Mangue, bosques e assim por diante. Pensar a cor na obra é já um projeto crítico. Quatro módulos organizam o acervo e aumentam nosso deleite.

O primeiro módulo, intitulado “Angústia: a cor emoção”, destaca o expressionismo e os matizes correspondentes à fase conflituosa que o mundo atravessava. O segundo, “Sob o signo dos trópicos: a paleta nacional”, mostra como o pintor estoura em vermelhos e verdes exuberantes, ao mudar-se para o Brasil em 1923. No terceiro, “Compaixão: a não cor”, tudo se atenua, em craveira mais sombria, adequando-se à representação dos horrores da Segunda Guerra. O quarto, “Introspecção: a cor Segall”, cobre a última fase do pintor, em que a figura humana sai de cena e vão predominar os tons outonais de Campos do Jordão, com suas florestas e bois.

Em ousado mas revelador gesto, a curadora incluiu em cada módulo uma tela de outro artista coevo, realçando afinidades. Um em cada módulo, são quatro, da autoria de Anita Malfatti (O homem amarelo), Tarsila do Amara (O sapo), Milton Dacosta (uma Composição) e Portinari (um dos Retirantes). Permitem ampliar o âmbito da arte dentro de cada módulo e meditar sobre o travejamento do modernismo brasileiro.

É inesperada a tela que serve de apresentação: um retrato feminino, uma das mais antigas obras de Segall a circular no país, datando de 1911, e que pertence há bom tempo ao próprio Sesc. Só no ano seguinte o pintor viria pela primeira vez ao Brasil, e outro ano decorreria até estrear aqui uma exposição.

O visitante pode sentar-se num banco de muitos metros para contemplar as imagens em tamanho maior, projetadas por três câmeras, que se sucedem ao alto da parede fronteira. Trazem telas e desenhos significativos que, por serem ampliados, permitem apreciar detalhes e permutações que podiam ter passado despercebidos. Feliz ideia, que aumenta o alcance de um pincel merecedor de uma pausa.

Desperta a atenção pelo ineditismo um bestiário em aquarela, que fez parte da decoração para os bailes da SPAM (Sociedade Pró-Arte Moderna) nos anos 30, contando com roteiro de Mário de Andrade. Farta documentação, em cadernos de campo, cartas, revistas, livros e fotos, ocupa várias vitrines.

E assim se encerra uma vista d´olhos por uma experiência de beleza, às ordens aqui mesmo, no centro da cidade.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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