Memória: Pincirolli, campeão de polo, da informatização da mídia, por Luis Nassif

Com a ascensão de Luiz Frias, Pedro saiu. Nunca mais o vi. Mas ficou na memória o exemplo extraordinário de caráter, em um ambiente, em geral, dominado pelas pequenas intrigas.

POlo aquatico
Marsili Arnaldo, Carotini Ivo, Filellini Henrique, Pinciroli Pedro, João Gonçalves, Pires Álvaro, Lima Cláudio, Sandoval Fernando, Marsili Aluisio, Jardim Marco

Esta semana, a Folha homenageou Pedro Pincirolli, dentro da série de homenagens a antigos funcionários. E me trouxe belas recordações.

O velho Otávio Frias tinha dois homens de confiança. Na parte administrativa, um senhor, já idoso, espécie de contador-controlador que mantinha as contas sob controle. Na parte tecnológico, o Pedro, um Politécnico, sócio do Paulistano, integrante da Seleção Brasileira de Polo Aquático que disputou as Olimpíadas de 1968 e, segundo seu colega de polo, Fernando Sandoval, o único brasileiro que podia se ombrear com os húngaros, campeões mundiais absolutos da época.

Pedro foi o responsável pela informatização do jornal. Não apenas remodelou a gráfica, como adquiriu os primeiros equipamentos de informática para a redação, um sistema fechado que dava conta do recado. Com a informatização, o período de fechamento do jornal diminuiu drasticamente, permitindo à Folha manter uma larga liderança não apenas no estado de São Paulo, como no sul de Minas e Triângulo Mineiro. Perdia para o Estadão apenas na capital, mas ganhava no jornal. Aliás, caminhava para se tornar o primeiro jornal nacional, depois que o Jornal do Brasil perdeu fôlego.

Em todo meu período na Folha, conversei poucas vezes com Pedro. Mas ele, de modo silencioso e discreto, me deu as maiores demonstrações de caráter de pessoas com quem convivi.

Com algum tempo de jornal, Otávio Frias Filho, o Otavinho, condicionou sua nomeação para diretor editorial se eu aceitasse ser Secretário de Redação. Já tinha a coluna Dinheiro Vivo, detestava as disputas internas de redação, os grupinhos, os jogos de puxa-sacos. Mas não houve jeito de recusar.

Fiquei apenas 3 meses e pedi demissão, depois de um enorme passaralho que marcou a renovação da Folha. Obviamente, Otavinho ficou ressentido. Ainda tentou me trazer para outras funções. Ofereceu o cargo de ombudsman, o primeiro, mas recusei. Depois, ofereceu a direção de conteúdo do DataFolha, que estava sendo criado. Aceitei.

Na época, já utilizava bastante o computador e o DataFolha abria um enorme campo para experiências do que se convencionou chamar, mais tarde, de jornalismo de dados. Acumulei com a coluna Dinheiro Vivo, sem ganhar nada a mais e fiquei sob a coordenação do Pedro.

Confesso que a disciplina nunca foi o meu forte. Na primeira semana, montei um enorme relatório de possibilidades para o DataFolha, desde estatísticas de futebol até levantamentos de preços em supermercados e de produtos de informática. Estimei que seriam necessários dois micro-computadores, que poderiam ser obtidos mediante permuta. Enviei um relatório para Pedro, outro para Frias.

No dia seguinte, Pedro me telefonou de modo paternal. Disse que a Folha tinha algumas características que exigiam alguma prudência. Ao receber o relatório e conferir as demandas por micro-computadores, Frias alarmou-se. Sua grande virtude era controlar cada centavo de gastos com a Folha.

– Na próxima vez, me consulte antes, sugeriu Pedro, sem nenhum toque de autritarismo.

Mas o verdadeiro Pedro se revelou quando me indispus com a Folha, por minha insistência em denunciar manobras suspeitas do então consultor geral, depois Ministro da Justiça Saulo Ramos, que tinha se tornado amigo de Frias no período da TV Excelsior e do grupo Wallace Simonsen.

A Folha estava enrolada com dívidas com o INSS e Saulo se dispôs a resolver. Mas o preço foi meu pescoço.

A barganha criou um problema para Frias. A Dinheiro Vivo tinha se tornado a coluna mais lida do jornal. Fora responsável pela enorme campanha de mutuários do BNH e das ações para ressarcimento de aposentados. A Agência Folhas a vendia para mais de 20 jornais. Como sair disso.

Um dia, recebo telefone de Pedro. Sintético, como era, apenas me disse uma coisa:

– Guarde para quando precisar. O Marcos Cintra sugeriu uma pesquisa com gerentes e administradores sobre a Dinheiro Vivo. Diz que só interessa a aposentados e mutuários. Fizemos a pesquisa e constatamos que é a coluna mais lida por gerentes e executivos.

Diariamente, o DataFolha ligava para leitores para pesquisas desse tipo. Marcos Cintra era o economista do “imposto único” que, recentemente, tornou-se Secretário da Receita de Bolsonaro e não durou muito.

As pressões do jornal continuaram. Fui afastado dos almoços mensais, que reuniam editores e secretários de redação do jornal. Um dia, me surpreendi recebendo um convite do Pedro para comparecer ao almoço. Fiquei surpreso do convite ter partido dele.

Por aqueles dias, as pressões internas da Folha tinham chegado ao auge. Quando saí de caa, comuniquei a minha ex que achava que seria demitido naquele dia. Cheguei ao jornal, subi até o andar do almoço e sentei com algumas colegas, esperando o início. Vi que estavam incomodados. Um deles me deu os parabéns. Por que? Você não sabe? Acabou de ganhar o Prêmio Esso.

O almoço foi curioso. Eu tinha uma enxurrada de ideias para apresentar, e apresentei. Na saída, Pedro me acompanhou até  o elevador com ar vitorioso.

– Quando te convidei, o que eu queria era isso mesmo, que você calasse seus colegas que, quando você está ausente, ficam criticando para fazer média com os Frias.

Ganhei alguma sobrevida com o Esso, mas fui demitido alguns meses depois.

No início dos anos 90, recebo um telefonema de Otavinho me oferecendo a Coluna de Economia, no lugar de Joelmir Betting, que se transferira para o Estadão. Aceitei. Por aquela época, já tinha a Agência Dinheiro Vivo.

Tempos depois, vou a um almoço no jornal e encontro o Pedro, que me contou seu estratagema. Nas reuniões com Frias, ele arriscava diversas opiniões sobre cenários econômicos, até que Frias indagasse de onde vinha aquele conhecimento. E Pedro disse, então, que era do Guia Financeiro, publicado pela Dinheiro Vivo.

Com a ascensão de Luiz Frias, Pedro saiu. Nunca mais o vi. Mas ficou na memória o exemplo extraordinário de caráter, em um ambiente, em geral, dominado pelas pequenas intrigas.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Prezado Luis Nassif,

    seu direito de resposta é uma vitória para todos nós que o acompanhamos ao longo de tantos anos e tantas tempestades. Força!!!

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