O avesso do avesso do conservadorismo

Dos Blogs do Brasilianas

O caso da Mayara mostra como o uso político do preconceito e do ódio produz efeitos amplificados. Ressuscitam-se discussões que tomam um rumo perigoso. Ao avesso, produz o mesmo efeito obtido com a redução do número de crimes com o fechamento dos bares mais cedo. Motivos banais, uma bebedeira, uma palavra errada, um gesto impróprio, resultam em conseqüências fatais.

Não concordo com todas as colocações do prof. José de Souza Martins. É um erro, por exemplo, pensar que esta eleição foi marcada por uma divisão regional.  É só atentar que em alguns estados em que o Serra ganhou, a diferença foi pequena. São Paulo, que aparece no centro desta disputa, é a base eleitoral do candidato e a diferença no estado foi de 6% dos votos. No Acre a diferença foi de 39 % em favor de Serra. As teorias da divisão de votos entre regiões não se sustenta.

Insistir em marcar o mandato de Dilma a um voto determinado pela pobreza ou ao voto de uma determinada região é demarcar um espaço de discussão política radicalmente conservador. Isto interessa sobretudo à uma direita disposta a reconquistar espaços.

Arriscando uma opinião, eu diria que o voto que Serra atraiu foi o voto conservador. Conservadores,  nos temos de norte ao sul do nosso país e  é esta a parcela do eleitorado que interessa à oposição.   

 

Mayara não pode ser transformada em bode expiatório, diz sociólogo

por Jair Stangler

Seção: ELEIÇÕES

05.novembro.2010 01:53:42

A estudante de direito Mayara Petruso virou uma “celebridade” na internet depois de ter publicado mensagens contra os nordestinos em seus perfis em redes sociais como Facebook e Twitter. Nas mensagens, a jovem “culpa” os nordestinos pela vitória da petista Dilma Rousseff contra o tucano José Serra nas eleições presidenciais de domingo. Na mensagem mais polêmica, datada do domingo, 31 de outubro, Mayara escreveu: “Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado.”

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A partir de então, a estudante teve sua vida transformada pela velocidade de propagação da internet. Mayara não foi a única a postar comentários ofensivos aos nordestinos. No entanto, toda a revolta que tomou conta de boa parte dos internautas, que vê no episódio racismo e xenofobia, parece ter recaído sobre ela. A repercussão de seus posts foi tanta que Mayara acabou demitida do escritório em que trabalhava como estagiária e teve de fechar suas contas no Facebook e no Twitter. Ela chegou a se desculpar em sua página no Orkut, mas o estrago já estava feito. 

A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Pernambuco, entrou com uma ação de notícia crime, junto ao Ministério Público de São Paulo contra Mayara. Nesta quinta-feira, 4, o ‘caso Mayara’ ganhou o mundo, chegando a ser comentado pela mídia internacional, em veículos como o “The Telegraph” e o “Huffington Post”. Também na quinta-feira, Mayara alcançou mais citações o Twitter que a cantora pop Lady Gaga, por exemplo. O número de páginas citando seu nome chegam a mais de 73 mil no Google.

Para o sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da USP, “é preciso tomar cuidado para não transformar a moça num bode expiatório.” Em entrevista ao Estadão.com.br, Martins, que é estudioso do linchamento, criticou a atitude de Mayara. “O que ela disse é grave”, afirma. “Agora, eu não sei se a reação precisaria ser desse tamanho”, acrescenta. ”Ela não fez isso sozinha e ela não é responsável pela disseminação dessa ideia preconceituosa e equivocada de que os nordestinos são isto ou aquilo”.

Para ele, é preciso “repreender e tornar público que houve uma repreensão, para que outras pessoas que são tentadas a fazer a mesma coisa saibam que não é tão fácil. Cada um tem de ser responsável pelo que diz.” E alerta: “meu medo é que essa moça acabe sendo linchada.”

O sociólogo critica ainda a falta de mecanismos para apurar crimes na internet. “Nós não temos uma polícia especializada em crimes na internet. O que tem é pobre, é insuficiente”, diz. Ele chama a atenção para o fato de que a internet também transmite uma sensação de impunidade, relacionada ao anonimato e à dificuldade de se localizar os autores dos comentários. “As pessoas se sentem encorajadas a dizer o que elas não diriam em outra circunstância”, afirma.

Martins atribui a violência dessas manifestações à disputa eleitoral. “Essa eleição dividiu o País”, diz. “O próprio Estadão publicou mapas mostrando que o País está dividido, entre o Brasil vermelho e o Brasil azul. Eu vi isso nos jornais. Parece que é uma fratura. Eu acho que houve todo um discurso político-ideológico no sentido dos “ricos contra os pobres”, ao mesmo tempo tentando dizer onde é que estão os pobres e onde é que estão os ricos”, acrescenta. Ele defende que o governo e a mídia atuem para desfazer essa “falsa informação”. “Essa polarização é boba”, diz. “Fazer esse jogo para conseguir resultados eleitorais é bobo, mas pode ter essas consequências, cria uma relação de ódio. É preciso interromper já.”

Apesar de alertar para os perigos do linchamento de Mayara, Martins também vê um lado pedagógico na reação. “Se as pessoas silenciarem, o que a Mayara disse e o que outros disseram vai se multiplicar, e isso não é bom. Então é bom que as instituições se manifestem, é bom que a OAB se manifeste”, defende.

Leia a entrevista na íntegra:

Por que o caso da Mayara ganhou tanto destaque?

É difícil a gente saber. A internet tem sido muito usada para dizer muitas coisas absurdas. Tem circulado muitas coisas absurdas pela internet, em todos os sentidos, geralmente odiosas. De tipo racista, de tipo político. Mesmo nessa campanha eleitoral o nível do grito pela internet foi deplorável. Isso tem muito a ver com o fato de que a internet garante um certo anonimato ou, senão anonimato, a distância, a dificuldade da localização fácil. É tudo muito complicado. Não existem mecanismos de controle social relacionados com essas formas novas de comunicação. Então as pessoas se sentem encorajadas a dizer o que elas não diriam em outra circunstância. A sociedade funciona com mecanismos de controle social. Mesmo que a gente não goste e diga ‘ah, isso é policialismo. Não, não é policialismo. Basta o olhar de um pai severo que um filho se enquadra. Na verdade, isso está acabando, mas até outro dia funcionava assim. Isso é controle social. Uma certa certeza da impunidade, mais a imaturidade da pessoa, acaba levando a por para fora o que de fato a pessoa pensa. Não é que ela não pense, não é que é inocente. O que ela disse é grave. Agora, eu não sei também se a reação precisaria ser desse tamanho. Eu acho que localizar, chamar, repreender, tornar público que houve uma repreensão para que outras pessoas que são tentadas a fazer a mesma coisa saibam que não é tão fácil. Cada um tem de ser responsável pelo que diz. E quando diz irresponsavelmente alguma coisa, responde por aquilo diz. Agora, o meu medo é que essa moça acabe sendo linchada. Porque estão procurando um bode expiatório para tudo. Para o resultado da eleição, enfim essa situação que agora começa a ser colocada para fora por aqueles que estão descontentes com o que aconteceu. Que já estavam antes. Se não estivessem descontentes por uma coisa estariam por outra. Isso tem muito da idade.

A reação que ocorreu ao gesto dela é válida ou já seria um linchamento?

Eu sou um estudioso do linchamento, do linchamento de verdade, do linchamento em que as pessoas morrem. O mecanismo é mais ou menos parecidos, só que com consequências trágicas: o outro morre. Ela cometeu um erro, de qualquer ponto de vista que se queira adotar. Ela não tinha o direito. Você não pode ficar pregando isso e aquilo contra a vida dessas pessoas… Bom, todo mundo faz isso, ou fez isso, em algum momento na vida: “Quero matar aquela pessoa por isso ou por aquilo.” Só que isso em uma escala em que duas ou três pessoas ouve e que ninguém leva a sério. Agora, na internet, você não sabe quais são os desdobramentos. Quer dizer, agora sai em jornais até mesmo de fora do Brasil. Isso vira uma onda, totalmente fora do controle dela, inclusive. É muito complicado, isso é muito grave. Num caso como esse, as pessoas que se sentiram mobilizadas para reagir e dizer “Não, isso aí não pode”, deveriam ter uma instância de manifestação. Nós não temos uma polícia especializada em crimes na internet. O que tem é pobre, é insuficiente. Todos nós somos diariamente bombardeados com informações absurdas, com pregações desse tipo, inclusive. Então, qual é a reação possível? É isso que está acontecendo? Não. Isso que está acontecendo é uma reação a casos efetivos. Digamos, eu chego diante de você com um revólver e digo “Quero te matar”, e eventualmente atiro. E não é esse o caso. Trata-se de um crime cibernético e nós não temos os instrumentos para isso. Por outro lado, os abusos são tão grandes, e esse é um caso gravíssimo, que mostra que eles vem crescendo, e não temos mecanismos de responsabilização das pessoas num nível apropriado, que é um nível de reeducação e sobretudo de divulgar: “Olha, quem fizer isso está sujeito a tal coisa.”

O senhor considera justa a demissão de Mayara de seu trabalho?

Ela usou o equipamento da empresa que ela trabalhava? Se ela usou os recursos do local de trabalho, é até compreensível que ela seja demitida porque a empresa não vai querer ser responsabilizada como cúmplice do que ela estava fazendo. Porém, se não foi, eu acho um exagero demitir. Ela será responsabilizada por outras vias, não é perdendo o emprego dela. Eu até posso achar, por exemplo, se eu fosse o patrão dela, “olha, eu não quero ter uma empregada desse tipo aqui”. Mas eu não associaria a demissão imediatamente ao caso. Tentaria dar uma chance. Diria “olha, você cometeu um erro e isso pode repercutir contra a empresa, é ruim para todos nós, está causando um prejuízo, ou pode causar um prejuízo”. Eu acho que as pessoas têm de ser mais tolerantes. Tudo isso define um cenário de brutal intolerância. Intolerância dela e de quem está tentando vitimizá-la, porque também não estão sendo tolerantes. Ela não nasceu assim. Ela não está movida por um intuito ou coisa… Ela teve a facilidade para dizer isso. Qualquer um pode fazer uma ‘droga’ de um site, uma coisa qualquer na internet e dizer um monte de abobrinhas, absurdos, difamar as pessoas. Isso é grave, qualquer um faz isso. Nós somos um povo atrasado que chegou a esses instrumentos ultra-modernos da comunicação sem ter se socializado para isso. No fundo o que essa moça fez, e também os que estão reagindo contra ela, mostra isso.

Isso é um linchamento virtual?

Acho que sim. Isso tem acontecido em outros planos, pôde ser visto na campanha eleitoral. Entre as abobrinhas que foram ditas na campanha eleitoral houve tentativas de linchar os candidatos. Diferentes grupos, opostos, fazendo isso. Isso não acrescenta nada num regime democrático, só piora as coisas, deforma a manifestação política. Um monte de difamações, por exemplo, contra o Serra, que eu vi. A Soninha (Francine, coordenadora de internet da campanha de Serra) se manifestou. Deve ter havido um monte de coisas contra a Dilma. Isso é uma forma primária, uma coisa tosca, de manifestação política. Não é por aí.

Isso é uma coisa da internet ou é uma coisa do brasileiro mesmo?

Violentos todos somos. É questão de termos oportunidade de expressar essa violência e como fazemos isso. Você de vez em quando diz um palavrão. Agora, uma coisa é o seu candidato perder a eleição e você dizer um palavrão. Mas aí você vai para a internet e tenta achar um bode expiatório, é muito complicado, porque você está extrapolando o limite da sua indignação, você está tentando socializar sua indignação e você está tentando mobilizar os outros para se manifestarem da mesma maneira. E você não tem o controle das consequências. Porque pode alguém ler isso e entender que é mesmo para sair por aí matando gente. Francamente, aí é que está o risco. Você colocar um revólver na mão de uma criança, um revólver armado com bala e tudo. A internet é isso. Quer dizer, nós somos um povo imaturo, de um modo geral, não estamos preparados para usar um instrumento. Percebemos que podemos fazer coisas com ele que a gente faz em privado às vezes, que é tentado a fazer, e não percebe que aquilo te põe em contato com milhões de pessoas. Você não sabe o que as pessoas vão fazer com aquilo que você está dizendo.

Muitas pessoas foram para a internet manifestar esse sentimento antinordestino, não foi só a Mayara…

É, ela virou o bode expiatório…

Esse sentimento atninordestino estaria se espalhando?

O brasileiro tem essa fama do ‘homem cordial’, de que não tem preconceito, mas tem tido preconceito desde sempre. O preconceito se dirige ora contra o negro, ora contra a mulher, ora contra o nordestino… Depende de para onde o foco do descontentamento está se dirigindo. Nesse momento, a vitória da Dilma, e os jornais também disseram: “O Nordeste foi responsável pela vitória dela”. Mostraram mapas, desenhos e parece que é verdade. Mas daí a concluir que eu tenho que matar todos os nordestinos… Francamente não, né? Não é por aí. Depende do foco. Amanhã os homossexuais ficam associados a um fato negativo qualquer momentaneamente. Aí vem toda a onda do preconceito contra eles. O preconceito é fluido, ele busca pretextos. Então uma hora é o negro, outra hora é a mulher, ou o homossexual, outra hora é o jovem, outra hora é o velho… Depende muito das circunstâncias. Nós não temos um preconceito do tipo estabelecido e institucionalizado como você tem nos Estados Unidos, por exemplo. O preconceito é dirigido contra o negro. Eventualmente contra imigrantes de certos países. Aqui o preconceito ele flutua. Então uma hora é contra o negro, difuso contra o negro permanentemente. O preconceito contra nordestino em São Paulo tem se manifestado episodicamente desde a década de 1950, que é quando começa a grande onda da imigração nordestina para cá.

O senhor vê algum risco de um acirramento do confronto entre identidades regionais, criando um clima de conflito permanente?

Tudo depende. Isso foi usado nessa eleição. Essa eleição dividiu o País. O próprio Estadão publicou mapas mostrando que o País está dividido, entre o Brasil vermelho e o Brasil azul. Eu vi isso nos jornais. Parece que é uma fratura. Eu acho que houve todo um discurso político-ideológico no sentido dos “ricos contra os pobres”, ao mesmo tempo tentando dizer onde é que estão os pobres e onde é que estão os ricos. Então, isso fraturou. Quer dizer, tentar tirar vantagem das diferenças regionais e tentar culpar alguém pelas diferenças regionais foi uma imprudência política de quem o fez. Se não se fizer imediatamente um movimento reverso.. Eu acho que cabe ao governo, com os instrumentos que tem, na mídia, na educação, etc, desfazer rapidamente essa polarização. São Paulo é o quinto Estado do Nordeste pelo número de nordestinos que tem. E tem uma multidão de pobres aqui em São Paulo que são paulistas. E tem ricos no Nordeste. Então essa polarização é boba. Fazer esse jogo para conseguir resultados eleitorais é bobo, mas pode ter essas consequências, cria uma relação de ódio. É preciso interromper já. Como você interrompe já? Desfazendo essa falsa informação. A mídia tem essa responsabilidade, no sentido de mostrar evidências de que as coisas não são assim. A mídia pode fazer isso, acho que especialmente a televisão, que frequentemente penetra com mais facilidade do que os textos escritos. Mas é preciso combater, porque senão daqui a pouco você tem de fato uma fratura.

Em que pese o exagero dessa reação contra a Mayara, será que isso não é didático não só para ela, mas também para outras pessoas que pensem parecido e que talvez pensem em se expressar da mesma forma?

Pode ser educativo. Eu sempre lembro a lei Afonso Arinos, sobre preconceito racial. Até a lei Afonso Arinos, as pessoas diziam, às vezes até inocentemente, expressando aquele preconceito arraigado do qual às vezes a pessoa não tem nem consciência, diziam alguma coisa contra o negro. Veio a lei Afonso Arinos, os próprios negros começaram a acionar a lei, a pessoa era até processada. Não deve ter dado grandes resultados do ponto de vista das punições, porque é todo mundo. Mas as pessoas começaram a se acautelar. “Isso é preconceito, é melhor eu tomar cuidado.” Se as pessoas silenciarem, o que a Mayara disse e o que outros disseram vai se multiplicar, e isso não é bom. Então é bom que as instituições se manifestem, é bom que a OAB se manifeste. Mas também é preciso tomar cuidado para não transformar a moça num bode expiatório. Ela não fez isso sozinha e ela não é responsável pela disseminação dessa ideia preconceituosa e equivocada de que os nordestinos são isto ou aquilo.

Isso é incitação ao ódio e ao homicídio, xenofobia ou racismo?

Eu não usaria nenhuma dessas classificações porque elas de fato não se aplicam. Eu acho que existe uma fragmentação ingênua da sociedade brasileira na consciência popular. Isso é expressão dessa fragmentação. Não é racismo, porque todos são racistas. Não é racismo porque se trata de um grupo regional. Não é xenofobia, porque não há razões para São Paulo ter… Apesar de muita gente tentar explorar o fato de que “São Paulo foi feito pelos nordestinos”… Foi feito pelos italianos… E esse preconceito que existe contra os nordestinos, existiu antes contra os italianos em São Paulo. Então é um preconceito flutuante. É mais uma intolerância ao diferente. Então você fica procurando bodes expiatórios para tudo o que acontece. Agora o nordestino… Ontem foi o negro, depois de amanhã pode ser o careca… Eu fico com medo porque eu sou careca…

Luis Nassif

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