Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O drama sobrenatural de uma perda inexplicável em “Absentia”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

A cada ano milhares de pessoas simplesmente desaparecem no mundo sem deixar pistas. Misture esse dado estatístico real à influência do horror fantástico de H.P. Lovecraft com a simbologia arquetípica dos túneis. O diretor independente Mike Flanagan fez isso e resultou no filme “Absentia” (2011), um “terror silencioso” que pode causar estranheza aos espectadores incautos acostumados ao “gore” da violência e sangue. Como a dor psicológica da perda inexplicável evolui para o medo do sobrenatural, em uma narrativa que mistura dramas familiares e conjugais  com o sobrenatural que jaz em um túnel para pedestres no final da rua de um subúrbio de Los Angeles. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

Nos EUA são registrados em torno de 700.000 desaparecimentos de pessoas. No Brasil, a cada 11 minutos, uma pessoa desaparece – 40 mil por ano. Isso apenas em levantamentos feitos a partir de estatísticas oficiais. Junte as especulações em torno desse fenômeno (organizações criminais especializadas em raptos de crianças para escraviza-las, tráfico de órgão, abduções extraterrestres, seres interdimensionais etc.) com os contos fantásticos de terror de H.P. Lovecraft e com o simbolismo arquetípico dos túneis e teremos o argumento de Mike Flanagan para o terror independente Absentia (2011).

Fã dos contos de Lovecraft (1890-1937, escritor norte-americano que revolucionou o gênero terror ao inserir elementos fantásticos típicos dos gêneros ficção científica e fantasia), Flanagan ficou fascinado com lendas urbanas sobre a concentração de desaparecimentos em certas ruas, praças ou parques. Chegar ao insight de um local específico que seria uma espécie de vórtice da luz para as trevas (um túnel para pedestres que passa por baixo de uma highway em um subúrbio de Los Angeles) foi um passo.

Com baixíssimo orçamento e com a maioria de atores que jamais atuaram em um filme longa metragem, Flanagan contou com a força da sugestão de edição e montagem mas, principalmente, com um recurso que o velho horror do expressionismo alemão (estilo cinematográfico da década de 1920 baseado na distorção de cenários e fotografia) criou: a força do extracampo na linguagem cinematográfica –  tudo é muito mais sugerido do que mostrado a partir das expressões de horror dos protagonistas para algo que ocorre fora do plano da câmera.

Absentia talvez seja o melhor exemplo em décadas de um “terror silencioso” sem gritos, sangue em profusão, vísceras e monstros em primeiríssimo plano. A força do seu horror é originado da linguagem fílmica e do poderoso simbolismo arquetípico dos túneis como passagens interdimensionais da luz para as trevas.

O gênero “terror silencioso” é sucesso na literatura de horror mas considerado por muitos “infilmável” por basear-se apenas atmosferas, humores, sugestões e implicações, e, portanto, difícil de ser capturado para a tela do cinema. Mas Flanagan acreditou que esse tipo de gênero se daria melhor com um típico filme independente de baixíssimo orçamento. E foi bem sucedido.

O Filme

Absentia abre com uma mulher grávida andando pelas ruas em um tranquilo bairro suburbano. Esta é Trícia (Courtney Bell) arrancando dos postes panfletos velhos e substituindo por novos. São cartazes sobre Daniel (Morgan Peter Brown), seu marido inexplicavelmente desaparecido há sete anos.

Trícia tenta reconstituir a vida com um novo companheiro, Mallory (Dave Levine), um detetive da polícia de LA. Mas Trícia agora enfrenta uma difícil decisão: preencher um documento legal que declare Daniel como oficialmente morto “in absentia” – “à revelia” ou “na ausência do arguido”.

Trícia está relutante, principalmente quando começa a ter visões sobre o que teria acontecido com o seu marido e assustadoras presenças. Trícia recebe a visita da sua irmã que há tempos não via – Callie (Catherine Parker) que saiu em viagens errantes fugindo dos seus dramas pessoais e com um histórico de drogas pesadas.

Aos poucos Callie vai descobrir que o bairro esconde segredos muito mais sombrios por trás do súbito desaparecimento de Daniel. E o centro de tudo parece estar em um sujo túnel para pedestres localizado no final da rua.

Normalmente os filmes de terror são construídos a partir do sofrimento dos personagens diante de eventos que levam à dor e à morte. Mas em Absentia, a narrativa começa a ser construída a partir dos destroços emocionais deixados para trás – a relação de Trícia com sua irmã problemática, o desaparecimento de Daniel, a gravidez como tentativa de reconstruir uma vida ao lado de um novo companheiro etc.

A experiência de uma perda inexplicável é o elemento central do filme: a alienação relacional e geográfica da perde de um ente querido, e, principalmente, não só a dor do não saber para onde foi, mas por que ele foi perdido de nós.

Aos poucos essa experiência da perda prepara o espectador para a presença do elemento sobrenatural. Embora existam alguns momentos de violência, estes são rápidos e oblíquos. Há até flashes de bizarro e gore, mas tudo é quebrado pelas sugestões de extracampo e as possíveis hipóteses sobre que ocorre: alucinações de Callie provocadas pelo vício das drogas? Daniel transformou-se em um morador de rua, assim como aquele que aparece naquele túnel no final da rua? Discussões conjugais e relacionamento complicado com a irmã fizeram Daniel desistir de tudo?

Por isso, Absentia pode se tornar um filme de terror estranho para o espectador incauto. A atenção aos detalhes psicológicos é a maneira como o filme vai criando um ambiente de terror, a princípio, moderado. As revelações são deliberadamente lentas para, no final, Flanagan transformar o filme em uma espécie de conto de fadas aparentemente sem respostas.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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